... POR MUITOS DE NÓS.
O PARAENSE SÓ QUERIA FAZER PARTE DA NAÇÃO.
O legado humano da COP30
Por Marcelo Botelho
Belém vive, neste momento histórico da COP30, algo muito maior do que debates, painéis, negociações e acordos ambientais. Vive um reencontro consigo mesma. Vive a revelação, diante do mundo e de muitos brasileiros, de uma identidade que sempre existiu, mas que agora é vista, sentida, celebrada e respeitada. O que está acontecendo na capital do Pará não pode ser explicado apenas pelo viés ambiental ou geopolítico. O maior legado da COP30 é humano — e ele está sendo construído nas ruas, nas feiras, nos mercados, nas orlas, nas chuvas, na música e no abraço caloroso do povo paraense.
Quem desembarca em Belém durante este período vive uma espécie de rito de passagem. Descobre que a Amazônia não é um conceito distante, exótico ou folclórico — é uma experiência. Uma turista asiática, encantada, se jogou no ritmo do carimbó em plena conferência. Um grupo de indonésios experimentou açaí com peixe na orla de Icoaraci, maravilhados com a autenticidade do sabor. Filipinos brindaram com uma Tijuca gelada na Praia do Amor, em Outeiro, como se fossem filhos da terra. Indianos celebraram o verde da cidade, tocaram a água e afirmaram que nunca viram nada igual. E estrangeiros de todas as partes se renderam ao queijo coalho de Outeiro por R$ 5,00, ao tecnomelody que virou febre entre delegações inteiras e ao “gringo no caqueado” que viraliza como símbolo desse encontro improvável de culturas.
Belém, nesses dias, não é apenas sede; é anfitriã. Não apenas recebe; envolve. Não apenas mostra; transforma. A cidade morena revela, sem pedir licença, a força de sua gastronomia, a potência de sua música, a espontaneidade do seu povo e a singularidade da sua relação com o clima, com a chuva, com o rio e com a vida cotidiana. Há relatos emocionados de motoristas de aplicativo que viram um árabe — descrito como um “sheik” — se comportar como criança ao sentir a chuva amazônica pela janela. Pais paraenses no exterior compartilham vídeos dos filhos conversando com estrangeiros em vários idiomas. Pesquisadores se surpreendem com as chuvas que, para nós, fazem parte do ciclo da vida. Belém está encantando o mundo com aquilo que sempre foi, mas que tantos insistiam em ignorar.
E talvez aqui esteja a parte mais importante desse legado: a desconstrução de preconceitos regionais que há muito tempo ferem o Norte do Brasil. Não raras vezes fomos reduzidos a caricaturas, a narrativas distorcidas, a estereótipos ultrapassados. Como já denunciava Milton Nascimento em “Notícias do Brasil”, o país por muito tempo olhou para o litoral e esqueceu o resto. Mas agora, diante dos olhos do planeta, Belém mostra que não é “terra de tupiniquins”, que não tem onças e índios desnudos nas ruas, que sua riqueza não está na ficção, mas na realidade viva de um povo que respira cultura, gastronomia, diversidade, fé e ancestralidade.
A auto-estima do povo paraense está em estado de graça. Não porque Belém virou cenário internacional — ela sempre mereceu ser. Mas porque, pela primeira vez, o Brasil inteiro vem observando isso. As redes sociais se encheram de depoimentos de orgulho, emoção e pertencimento. Pessoas comuns mostram o Ver-o-Peso fervendo, o tecnomelody arrastando multidões, o Carimbó unindo mundos, a chuva que vira espetáculo para estrangeiros. Debates sérios acontecem dentro da conferência, enquanto, do lado de fora, a Amazônia pulsa na música, na dança, nos sabores e na hospitalidade inacreditável de um povo que recebe com 35 graus de temperatura e 90 graus de calor humano.
E enquanto alguns tentam diminuir essa grandeza com ironias fáceis, críticas vazias ou comparações injustas, a verdade se impõe: os cães ladram enquanto a caravana passa. Belém segue, firme, mostrando ao planeta que não é apenas palco — é protagonista.
Esse movimento simbólico e afetivo ganhou ainda mais força com um gesto histórico:
Em homenagem à COP30, o IBGE lançou um mapa-múndi inédito colocando o Pará no centro do planeta.
Uma inversão cartográfica que, mais do que estética, é política, cultural e emocional.
Ao deslocar o eixo do mundo, o mapa reconhece algo que o paraense sempre soube: a Amazônia é essencial à vida no planeta, e Belém é sua porta de entrada.
É a confirmação visual de que o mundo finalmente está olhando para onde deveria ter olhado desde sempre.
E, no fundo, talvez tudo isso seja a realização tardia de um simples desejo cantado por Marcos Barata do Mosaico de Ravena:
“O paraense só queria fzer parte da nação.”
Viva Belém.
Viva o Pará.
Viva a Amazônia.
Viva o Brasil.
Dulce: Que bacana ler isso... o resultado da COP30 não vai depender de nós, que, aos trancos e barrancos, fizemos a nossa parte.
2 comentários:
Parabéns ao autor desse texto sobre Belém! Magnífico e verdadeiro para “aqueles” que só miram para um lado… bem como não poderia deixar de demonstrar minha TOTAL ADMIRAÇÃO pela pessoa de “DULCE ROCQUE” que além de ser e como privilégio tê-la como AMIGA, possui uma biblioteca ambulante em sua pequena grande mente, como lutadora INCANSÁVEL AO TENTAR, PRESERVAR UM DOS NOSSOS PATRIMÔNIO HISTÓRICO, na CIDADE VELHA NO COMBATE À POLUIÇÃO SONORA E OUTROS ABSURDOS COMO A DESTRUIÇÃO DO PATRIMÔNIO ALI NA PRAÇA DO CARMO, o que afeta diretamente, também a Igreja etc…
Obrigada Nathan Levi.
Postar um comentário