quarta-feira, 23 de março de 2022

UMA ILUSÃO NOSSA

 

Quando constituímos o blog Laboratório de Democracia Urbana “Cidade Velha-Cidade Viva” tínhamos intenção de colocá-lo a disposição daquela parte da cidadania disposta a apropriar-se do direito de manifestar ideias, preocupações e até mesmo seu mal estar frente a realidade dos nossos bairros.

Os problemas da Cidade Velha eram muitos e a Associação CIVVIVA, não tinha nascido apenas para defender o patrimônio, mas, principalmente, como um meio de reivindicar os direitos dos cidadãos que moram no bairro.

A ideia do Laboratório, não era somente criar um ponto de referência para “reclamar/denunciar”, mas sim de incentivar e colaborar com quem tinha vontade de trabalhar em conjunto para encontrar respostas e soluções para os problemas dos bairros.

Assim como os associados dispunham seu tempo livre para ajudar a CIVVIVA, pensamos que outras pessoas poderiam estar interessadas em a defender não somente nossa memória histórica, mas seu bairro também. Questão de solidariedade com a administração pública, de civilidade em tempos de democracia...

Após a criação da Associação enviamos à Governadora, ao Prefeito e aos Vereadores uma relação dos problemas, que achávamos necessários serem resolvidos. No dia 11 de janeiro de 2008, por ocasião da comemoração do primeiro aniversário da CiVViva, fizemos um Seminário para discutir e avançar propostas finalizadas à recuperação do ponto de vista civil, urbanístico, social e econômico do bairro da Cidade Velha.

A violência e a delinquência encabeçavam a lista. A Policia Militar nos procurou e iniciamos  uma colaboração: a CiVViva doaría quatro bicicletas, e a PM alocaria policiais nas ruas, das 8h às 22h . Com a ajuda dos moradores e comerciantes, foram feitas três bicicletas, e a quarta foi doada pela Igreja da Sé. A merenda dos policiais era fornecida pelos bares e padarias da área tombada...

O Prof. Oswaldo Coimbra se oferece para ajudar a salvar um pouco da memória  do bairro contando suas histórias. Organizamos um vestibular para os 135 inscritos, e trinta deles participaram de uma Oficina Escola Escritores que durou três meses. Ajudados principalmente pelo Curro Velho, no segundo aniversário da CiVViva em Janeiro de 2009, o livro “Cidade Velha Cidade Viva” foi lançado.

No meio tempo, a macro-drenagem da bacia da Estrada Nova, foi substituída pelo Portal da Amazônia ou Orla da Cidade, ignorando  o trecho que vai da Igreja do Carmo até à av. Tamandaré.  Por que não contemplou essa parte da Baia de Guajará onde estava em estado de abandono, até hoje, o Mercado do Porto do Sal, por exemplo?

Com a colaboração de outras organizações e cidadãos, conseguimos impedir o fechamento da  travessa Felix Rocque, mas não a reabertura da orla da rua Joaquim Távora. Aumentavam os locais noturnos na orla, sem nenhuma previsão de estacionamento, e os pedestres perdiam o uso das calçadas de liós, utilizadas de dia e de noite como estacionamento ... abusivo. Vigilância, nenhuma;  flanelinhas, em vez, muitos.

Com a mudança de Governador o trabalho com a PM e as bicicletas tomou outro rumo. Nossa colaboração com a PM, cessou. Os carnavalescos começam a demonstrar sua potência. Poluição sonora e lixo na rua aumentaram. Esgotos e bueiros entupidos, pioram a situação das ruas.

Com outra luta coletiva conseguimos impedir o uso dos restos do incêndio do Bechara Mattar, como “shopping center, sem estacionamento e sem respeitar o gabarito da Cidade Velha. Outros incêndios aconteceram, e mais áreas vieram se somar, inutilizadas, na área tombada. Para nós elas poderiam ser utilizadas como estacionamento no lugar das calçadas tombadas, de liós. 

No entanto, falar de segurança, trânsito e preservação do patrimônio parecia inútil, pois víamos que continuavam a fornecer licenças para localização (Alvará) de empresas sem os requisitos previstos pelas leis, e que nem sempre se enquadravam no perfil da Cidade Velha. Ser entorno de área tombada  era um fato que, também, parecia não ser notado por ninguém que conta, apesar das nossas denúncias.

O distanciamento das leis, era cada dia mais evidente. A ajuda de parte da cidadania,  não acontecia permanentemente... era melhor participar de festas barulhentas.  Poucos e fieis eram os amigos que, de vez em quando, ajudavam as lutas da  CiVViva.  Os órgãos públicos, em vez,  ignoravam, além das  nossas lamurias, ... as leis, também.

 Como autorizar construções sem respeitar o gabarito estabelecido em lei e, depois, não ver ninguém ser punido...? Ninguém tinha impedido que leis fossem modificadas por decretos criando, inclusive,  “terraces” de bar em área de pedestres. Vímos aprovarem na Câmara de vereadores, leis cujo argumento era privativo da União..., enquanto cores espalhafatosas invadiam a área tombada.

Palavras  como  salvaguarda, defesa,  proteção, eram ignoradas e perdiam o senso na hora de autorizar o que não deviam. Será que o motivo principal desse comportamento era o poder sobrenatural que a Cidade Velha exerce sobre quem não mora ali? Esse fetiche só piorava a situação do bairro inteiro. Vender cerveja ou roupa, ocasionalmente, na porta de casa, provocava o interesse do vizinho que não participava desse... desrespeito, no mínimo, ao Código de Posturas. Carteira assinada de quem trabalhava como garçon nos “terraces” eram pouquíssimas.

A trepidação provocada seja pela passagem de carretas e outros veículos pesados, ou  pela altura dos decibéis durante festas religiosas, casamentos, manifestações politicas, locais  noturnos, etc., aumentava em cada  mudança de governo local. Insistíamos em pedir providências, sem algum sucessos..., enquanto os prédios da área tombada iam se deteriorando, para desespero de seus proprietários. Uma lei municipal tinha mudado para 70 decibeis, o que a  norma nacional estabelecia ser 50;

 Para o pobre, trabalhar sem carteira assinada, e receber abaixo do salário, era normal; para o pseudo-intelectual, não, o trabalho tinha que ser retribuído.  A colaboração da CiVViva para com o governo local, era grátis, talvez por isso pouco valorizada. As sugestões (grátis) dadas durante as campanhas eleitorais, eram ignoradas, e com elas  o que dizem as normas relativamente a participação da coletividade, dos cidadãos, na gestão da cidade.

A confusão no uso de palavras do tipo proposta e projeto confundiam todos os que participavam de apresentação de trabalhos pelos órgãos públicos..., que não podiam ser modificados. Não se discutiam propostas, na verdade se ouvia a apresentação de projetos... Desse jeito as leis continuavam sendo ignoradas.

As nossas leis até que dão direitos democráticos aos cidadãos, mas, o costume de recorrer a amigos, politicos ou tão somente potentes, é um costume arraigado entre nós, desde antes que o Barata afirmasse que aqui “lei é potoca”. De outro lado, a falta de experiência e conhecimento das normas, faz o resto. Isso se nota vendo o resultado da presença de tantos assessores jovens, com títulos altissonantes de Master ou PHD, mas sem nenhuma experiência administrativa ou conhecimento das leis..., e daí nasce boa parte do caos em que vivemos e a indisposição verso o Laboratório de Democracia Urbana “Cidade Velha-Cidade Viva”.

Todos deveríamos concordar que quanto mais se ignoram as leis que regulam a convivência civil, mais nos tornamos coniventes com situações irregulares que depois tornam-se hábitos, ou costumes, difíceis de serem modificados. 

Os exemplos disso, são evidentes em toda a cidade... e o Laboratório de Democracia Urbana, bem que tentou ajudar.

 

quarta-feira, 16 de março de 2022

CABEAMENTO SUBTERRÂNEO EM BELÉM.


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A SUBSTITUIÇÃO DA FIAÇÃO AÉREA POR CABEAMENTO SUBTERRÂNEO EM BELÉM.


A paisagem urbana de Belém é bastante prejudicada pela poluição visual, causada por vários fatores, além das fiações aéreas e seus horríveis emaranhados de cabos, transformadores e muitos postes. Essa poluição torna-se mais agressiva no Centro Histórico, uma vez que todos esses elementos visíveis são extremamente desarmoniosos com o entorno paisagístico tradicional, impregnado na memória coletiva há muitas décadas, desde antes do surgimento da energia elétrica e suas fiações.

A intenção de alguns segmentos da sociedade em substituir todas as fiações aéreas urbanas (eletricidade, telefonia, internet, TV, fibra ótica, etc. ) por cabeamento subterrâneo parece muito compreensível e louvável, quando se consideram as vantagens dessa troca. 

Afinal, apesar do custo de implantação ser mais elevado do que o sistema aéreo, a mudança pode acabar sendo mais viável economicamente a longo prazo, já que o sistema subterrâneo tem tempo de vida útil maior e custos de reparos muito menores do que a alternativa aérea. O sistema subterrâneo também minimiza os transtornos e prejuízos decorrentes de quedas de árvores/galhos sobre a rede elétrica, com a consequente interrupção no fornecimento de energia e de outros serviços que usam esses cabos; bem como, diminuem os custos e problemas com a necessidade de podas de árvores. Ademais, há a subjetiva, mas relevante e pouco contestada melhoria no aspecto da  paisagem urbana, que ficaria muito mais agradável e harmoniosa, o que é ainda mais expressivo em áreas de centros históricos e de orlas. 

As iniciativas para a troca de fiações aéreas por cabeamento subterrâneo precisam, porém, ser muito bem pensadas e planejadas cuidadosamente, considerando as condicionantes jurídicas, os fatores técnicos e tecnológicos, e de rateio dos custos. Por exemplo: a definição da localização dos dutos, se ficarão sob as calçadas ou sob o leito carroçável das vias, e suas implicações nas demais infraestruturas e nas diversas funções e usos do espaço urbano. 

A constitucionalidade das leis municipais e estaduais que pretendem intervir nessa seara ainda está em discussão no STF. Segundo a Lei Federal nº 13.116 de 20.04.2015  a competência é exclusiva da União para regular e fiscalizar aspectos técnicos das redes e serviços de telecomunicações (https://www.migalhas.com.br/depeso/276361/regulacao-federal-infraestruturas-de-redes-de-telecomunicacoes--internet-e-energia-eletrica--a-delimitacao-da-legislacao-municipal-sobre-o-tema). 

Seria essa situação jurídica um relativo entrave que inviabilizaria as intenções locais de efetivar a mudança? Talvez não, se houver uma providencial busca por conciliação entre todos os atores públicos e privados envolvidos.

Em geral, as concessionárias dos serviços públicos usuários dos cabeamentos não demonstram interesse nos sistemas subterrâneos alegando os altos custos de implantação. Não caberia aqui uma negociação, lembrando das vantagens de menores custos de manutenção a longo prazo? Além disso, talvez os proponentes da mudança pudessem estudar e propor um rateio dos custos  entre as empresas concessionárias dos serviços públicos e os vários segmentos que possam ter interesse na implantação, como por exemplo empresários estabelecidos em áreas comerciais a serem beneficiados, como já há exemplos no Brasil (https://www.archdaily.com.br/br/01-95456/sao-paulo-tera-projeto-de-recuperacao-de-calcadas-e-fiacao-eletrica-subterranea). 

Outra alternativa que poderia influenciar nas decisões seria a implantação do sistema subterrâneo em sucessivas etapas anuais, o que iria amortizar o impacto dos custos, e minimizar os possíveis transtornos causados pelas obras, que adotariam um sistema construtivo menos invasivo. 


Belém (PA), 16.03.2022

Pedro Paulo dos Santos

Arquiteto, Urbanista e Turismólogo.

terça-feira, 8 de março de 2022

QUEM QUER VIR MORAR NA CIDADE VELHA?


Temos um morador novo na Cidade Velha... Está descobrindo aquilo que nós, vivendo aqui há mais tempo, já sabemos. Suas reclamações deveriam ser ouvidas por aqueles que querem comprar casa aqui, para vir morar..., e por algum político sério, disposto a facilitar a mudança dessa realidade.

Não é que veio de algum lugar de Belém onde não haja barulho excessivo. Morava prás bandas da Estrada Nova, onde a poluição sonora não é inferior a do Guamá... Veio para cá pensando que a proximidade de igrejas tombadas o salvariam da poluição sonora.

Triste ilusão. Se deita pra dormir na hora (23h) em  que os locais da orla começam suas atividades e uma saraivada de fogos de artifício barulhentos avisa a chegada do Crocodile... Quando não, são os fogos avisando que alguma moça supostamente rica arranjou marido e essa queima de fogos ocorre justamente em frente a igreja da Sé ou de Santo Alexandre... Às três horas da madrugada, novamente se acorda com o barulho dos...açaizeiros dançarinos lá da rua Siqueira Mendes, avisando com fogos, que ainda não encerraram suas atividades...

Enquanto consertava a casa para vir morar, as surpresas balançaram seu orçamento. Cupim em todo canto. Cada vez que ia lixar uma parede para pintar, caía um pedaço. Quando tentava ajustar uma porta, caía outro ... Até ninho de urubu, encontraram.

A procura de peças de reposição "de época" o fizeram girar, várias vezes a cidade. Perdeu dias e dias  visitando  lojas e antiquários, para ver se encontrava, desde maçanetas até vidros para as janelas.

A passagem de propriedade do prédio foi outro martírio, pois tinham três gerações no meio..., além da pandemia. As respostas dos órgãos públicos eram mais lentas que se trazidas por uma tartaruga, porém exigiam a execução de trabalhos que nem esses fazem nos próprios prédios públicos tombados.

Depois de um ano de consertos vários, entrou na casa antes mesmo de pintá-la, e começam novas experiências...

-Vê a calçada de liós que consertou, transformada em estacionamento de um caminhão.

- De madrugada é acordado pela “aparelhagem que está tocando ... e que me acordou por volta de 3 horas. São dois quarteirões de distância. Depois racham paredes, caem casas, telhas saem do lugar, e a culpa..., e as DESPESAS são apenas do proprietário.”

- “A sensação de desamparo, de descaso e desrespeito, com quem mora aqui é muito grande. A preservação pode ser linda no papel e nos discursos, mas, e a documentação para transferir a propriedade? Quem agiliza, facilita a documentação? Herdeiros brigando impedem até de visitar os imóveis à venda. Porque o aparato público não faz algo nesse sentido para ajudar a sanar as regularizações fundiárias”

Quem mora aqui há tempos já passou por tudo isso e mais um pouco, e muitos acabaram se acostumando a todo esse desleixo para com a área tombada.  A esses agentes externos, temos outros, em vez, que trabalham caladinhos: cupins e punilhas. Telhados caem a causa de cumeeiras carcomidas por eles; móveis tem que ser queimados porque o que sobrou parece papel crepon; plantas criam raízes nos telhados e não se consegue dizimá-las...

É, nós que gostamos de “coisa velha”, nós que viemos para a Cidade Velha com a intenção de salvaguardá-la, defendê-la, protegê-la, e nos juntamos aos que não a abandonaram, temos que lutar em diversas frentes de batalha, e, inclusive, suportar a prepotência de quem chega querendo descaracterizar o que sobrou da nossa memória histórica coletiva.

Achamos ser necessário e oportuno, enfrentar essa situação com a proposição de um Plano de Valorização do Patrimônio, partindo de uma Estratégia de Reabilitação do Centro Histórico, ou ao menos da Área tombada, que leve em consideração todos os imóveis representantes das várias  fases da nossa história, e, não somente, daqueles, poucos, de propriedade pública

Continuar a dar autorizações, principalmente a bares e restaurantes, sem estacionamento, nem area para conter fora das calçadas os clientes, é um absurdo... Onde encontrar na área tombada da Cidade Velha, o 1,20m de calçadas previsto em lei para uso de pessoas com moblidade reduzida...

Entra governo, sai governo e o declínio da área tombada somente aumenta. A Civviva luta, há anos por um pouco de educação: seja patrimonial, que relativa aos transportes, a poluição, as calçadas, citando leis que permanecem ignoradas... Vemos a proposição de ações ocasionais, desordenadas, e desligadas entre si que não ajudam a melhorar a situação geral. No minimo, um plano decenal deveria enfrentar essa realidade, com projetos para as casas de todas as épocas (financiados), enfrentando todos os problemas, desde o transito/poluição sonora, até a passagem da propriedade dos avós para os netos... e quem sabe, o plano seja fruto de uma concorrência pública a nivel nacional.

Você que quer vir morar aqui, não se iluda, nem tudo são flores, e o silencio é principalmente... de quem nos governa.


quinta-feira, 3 de março de 2022

POLUIÇÃO SONORA: UMA DESPESA MÉDICA ENORME...

 

RECEBI DE UM AMIGO QUE, TAMBÉM, POR SUA VEZ RECEBEU DE OUTRA PESSOA: 

"Olha este post que recebi de uma amiga baiana.

 Oi, como vai?

Na semana passada, eu comentei sobre os R$ 950 bilhões estimados de custo social e sanitário do ruído e da poluição sonora, lembra? Foi quando eu falei do “radar antirruído” (Se não viu, me informe q eu te reenvio).

 Pois bem. A ADEME (Agência de Transição Ecológica francesa) divulgou um relatório com este custo assustador advindo de despesas médicas de pessoas com patologias relacionadas à exposição ao ruído.

O diretor da agência, Johan Ransquin, estima que 17 milhões de pessoas estão sofrendo graves distúrbios sonoros. E vale lembrar que a OMS (Organização Mundial da Saúde), tão citada nestes tempos de pandemia, estima mais de 40.000 mortes prematuras na França em decorrência do ruído excessivo, segundo uma matéria do RFI.

Impressionante e preocupante, não é?

Eu nem preciso falar que o ruído de tráfego rodoviário é o principal problema. Mas, talvez você não sabia que a principal fonte do ruído de tráfego é o atrito dos pneus com o asfalto, portanto o tipo de asfalto é determinante para o ruído gerado. Sabia?

Muita gente pensa que são os motores, porque as vezes eles se destacam, mas esse contato com o piso é o vilão. É possível constatar que o incômodo poderia ser reduzido com ações de gestores nas características das vias q podem conter componentes amortecedores.

Um grande abraço e tenha uma excelente semana.

Débora Barretto

AUDIUM – Propagando ondas de excelência"


PS: É o caso de perguntar se alguem se preocupou em fazer estudos sobre o... asfalto usado nas nossas ruas.