sábado, 25 de julho de 2015

O INCENDIO DA SANTO ANTONIO

Choque, foi o que causou aos apreciadores do nosso patrimônio, o incêndio dos prédios de fins do sec. XIX, da esquina da Leão XIII e da  Sto Antonio .              

Poucos interessados no argumento deram opiniões; UMA POR TODOS a manifestação de dor e tristeza da Rose Norat. Ela trabalha, ou luta, tentando defender essa nossa memória histórica, ha anos. Lembra de vários outros incendios e demolições e se sente impotente e triste, como aqueles que chegaram depois dela. Dividimos essa tristeza com ela.


A  palavra a quem tem todo direito

"Demorei um pouco para me manifestar sobre o incêndio que acometeu dois imóveis da Santo Antônio com a Leão XIII. Não quis ir ao local. Talvez porque dessa vez eu esteja sentindo uma frustração muito maior do que antes. Quantos incêndios, desabamentos já acompanhei de perto? Conheço a lógica inclemente dos incêndios e o processo que os acompanha. As chamas queimam tudo que pode entrar em combustão, até a última cinza. Os focos e rescaldos ocorrerão por 2, 3 dias. Durante o auge do incêndio os bombeiros jorrarão nas paredes litros e litros de água em alta pressão. As paredes se encharcarão, a dilatação dos materiais pela ação térmica, fogo e água será o veneno mortal pra quem jazia agonizante, abandonado, ou subutilizado. Nos dias seguintes discutirão um possível escoramento, algo desesperado para salvar “alguma coisa”, o que for possível. Mas o estrago estará feito. Poderá se salvar uma “lasquinha” do que foi o imponente volume construído.

 Lembrei nesses dias do incêndio da então Motogeral, hoje sede do Fórum Landi, na Praça do Carmo. Assistimos à noite, em cadeiras de praia. Foi um “acontecimento” na Cidade Velha. Nem sabia o quanto eles me acompanhariam ao longo da vida como arquiteta da área de patrimônio: Casa Chama no Mercado de Carne, vários na João Alfredo, Sto. Antônio e arredores, Av. Portugal com 13 de Maio, na esquina oposta na Leão XIII com a Gaspar Viana, esse em particular há exatos 10 anos atrás, num dia 25/07/2005. Depois virão as reuniões entre Corpo de Bombeiros, órgãos de preservação, a Defesa Civil, os lojistas. Serão realizados relatórios, irão buscar as estatísticas dos incêndios. Diretrizes serão tomadas para evitar novas ocorrências. E assim como a fumaça cessará, o tempo se encarregará de abafar o caso. Até que outro ocorra. E a história dura, repita-se como que dizendo: eu avisei, vocês não quiseram mesmo ouvir (odeio essa frase!!) ... Então chorem pelas cinzas que jazem no chão. Os despojos serão jogados em caminhões de entulhos, alguns serão “resgatados” pelos que se interessam pela preservação e memória, ou pelos que fazem dela um comércio paralelo. 

Por que dessa vez não quis ir ver? Chorar ao vivo pelo “morto”? Talvez porque dessa vez o “luto” foi menor que a minha frustração pessoal. A antiga farmácia era linda, tinha até certo tempo o mobiliário de época completo. O da esquina compunha com o vizinho oposto uma das vistas mais bonitas e imponentes do centro histórico de Belém. Pisos ladrilhados ou em acapu e pau amarelo, forros em madeira trabalhados, até elevador tinha. Fachada azulejada. Alto, vistoso não se acanhava perante o vizinho suntuoso logo ali em frente: o Paris N´América. De tão belos, não disputavam, mas harmonizavam-se de tal maneira que cansei de circular por aquelas ruas e admirar-lhes a beleza. Não à toa, fazia parte da minha pesquisa de mestrado sobre a reabilitação de áreas históricas por meio da moradia. 

Desde o início dos anos 2000, a Prefeitura por meio de várias secretarias como a FUMBEL, SEHAB, CODEM, SEGEP, SEFIN, SECON, entre outras trabalharam com a CAIXA e com a consultoria de técnicos franceses em estratégias de reabilitação urbana por perímetros integrados, dos quais a habitação era uma das principais diretrizes. Não conseguimos avançar para além do Justo Chermont, uma edificação comercial transformada em residencial multifamiliar. Mas embora os projetos para as edificações históricas tenham se mostrado viáveis não foram para frente. Segui em frente com outros colegas da área, levando a ideia, ampliada e repaginada para o Estado. Fui diretora nas áreas de patrimônio histórico da SECULT e eu, sinceramente, pensei que seria dessa vez. O Estado tinha mais recursos que a Prefeitura, contava com a COHAB e eu realmente acreditava que iríamos seguir adiante. Além das edificações pensamos em um projeto de recuperação urbana completo por um trecho importante e degradado que ia desde o Boulevard Castilhos França até a Santo Antônio e tinha na Leão XIII e arredores o foco principal de investimentos: recuperação de calçamentos, as vias e seus paralelepípedos, a fiação subterrânea, troca de sistema de iluminação e postes, acessibilidade e o fomento à habitação nos pavimentos superiores de edificações subutilizadas ou abandonadas, comércios e serviços afins nos pavimentos térreos. As estratégias legais estão postas no PDM e até chegamos a “desapropriar” os imóveis. A intenção era que essa primeira etapa de uma intervenção ampla no tecido urbano, que tinha na moradia uma das políticas principais de reabilitação da área, aliada a outros usos como comércios de apoio, além do foco social que estimulava qualificação de mão-de-obra para o restauro e outras atividades que incorporassem os moradores/usuários da área, seria o pontapé inicial para que outras ações subseqüentes ocorressem e atraíssem o investimento privado. Conseguimos um convênio com o Ministério das Cidades para essa primeira etapa e já articulávamos outras estratégias com o Ministério do Turismo. A contrapartida de 10% do valor, pouco mais de R$300 mil não foi liberada. Nunca pagaram as desapropriações. Senti-me incompetente por não conseguir convencer os gestores da importância do projeto. Lembrei ainda do recurso de R$240 mil para a prefeitura elaborar o Plano de Reabilitação do CHB. Esse estava em caixa. Foi devolvido e o plano e atualização da gestão municipal não foram adiante.

 Essas frustrações técnicas rivalizam com a derrubada do muro do Forte que perdeu o foco e virou disputa política. Uma pena, pois quando a política entra no circuito tudo perde sentido, ou melhor, toma corpo e forma que eu não consigo compreender e acompanhar. Lembrei também, de que um dos herdeiros do imóvel, que sempre conversava conosco, discutia às vezes é verdade, mas sempre foram muito respeitosos, ao me ouvir falando novamente do projeto, do potencial do imóvel, de como seria a estratégia de reabilitação urbana e como eles podiam investir no imóvel nos pavimentos superiores me disse que o faria sim, desde que “começasse a ouvir o soar dos martelos”. Eu, ingenuamente, disse que aguardasse. Talvez isso me doa tanto. Porque hoje se ouve apenas o barulho dos escombros ruindo, o estalar seco da madeira queimada. Ah, como eu sei esses caminhos. Penso agora no Pinho, no desabamento durante as obras de recuperação, na reconstrução da área perdida e como, até o momento, está sem uso, fadado novamente a ruir caso não mudem de imediato essa trajetória. 

Uma amiga esses dias disse-me que estou ficando ranzinza e rabugenta. Acho que ela tem razão. Não me falaria se não fosse verdade. Acho que estou naquela fase da vida que não posso mais ser tão ingênua e acreditar no mundo e nas pessoas, sem saber que nem sempre será como eu imagino ou gostaria que fosse. E isso é duro, porque a realidade muitas vezes é fria e cortante. E queima. Mas aí eu, que tenho um fio de esperança remoendo minha alma, resolvi então postar não as fotos dos escombros ou incêndio, mas tudo que ele representava: a fachada azulejada, os pisos e forros de madeira, o conjunto que formava. Para que isso? Para que inspire outros jovens, outros proprietários, e quem sabe algum gestor público, pois não podemos esmorecer mesmo que mais essa perda, dura, tenha ocorrido. 400 anos, não são 4 décadas, ou 4 dias. São 4 séculos de histórias e memórias, de vidas e também de esperança de que dias melhores poderão vir. E virão!(?).
Roseane Norat

Santa Maria de Belém do Grão Pará, 25 de julho de 2015.


segunda-feira, 6 de julho de 2015

...MAS A COMISSÃO 400 ANOS, PARA QUE SERVIU?


VAMOS FALAR MAIS  UMA VEZ SOBRE A PREPARAÇÃO DO ANIVERSARIO DE BELÉM.

1- No inicio de 2014 o Sr. Prefeito de Belém deu posse a umas 40 pessoas que fariam parte da Comissão dos 400 anos, mas com o tempo,  ela continuou crescendo.   

Ela  foi  subdividida  em  outras,  menores,  as sub-comissões  que deveriam ter começado logo seu trabalho de proposição de eventos para  as comemorações do aniversário de Belém. Em agosto 2014 terminaria o prazo dado para a apresentação das propostas e pouco ou nada aconteceu no meio tempo, de concreto.
Em janeiro 2015 recebemos do Sr. Prefeito a relação dos propostas apresentadas pelas poucas comissões que se dignaram a opinar sobre o argumento. Ele nos pediu considerações  e sugestões, coisa que fizemos  e protocolamos na Prefeitura no  inicio de fevereiro. (Quem quiser detalhes sobre o argumento,  procure no blog http://laboratoriodemocraciaurbana.blogspot.com.br/  a nota publicada na quinta-feira, 2 de abril de 2015: Questão de Transparência )

2- Em maio deste ano, em surdina, foi criado um "Comitê Belém 400 anos" para cuidar dos 'festejos para os 400 anos de Belém". Pouco dias depois da sua criação, chegou as nossas mãos uma outra relação de propostas, muito mais completa, pois ali estavam todas as secretarias que não apareciam na precedente  relação que o Prefeito tinha nos dado para opinar. Nesta, tinham também as ações que ficariam em mãos do neo-Comitê e incluia até "custos". 

Notamos que mais da metade das proposta dessa relação, porém, não tinham passado pelas Comissões. Eram proposições completamente novas e nos interrogamos se era regular esse comportamento. Para que serviu a Comissão criada no inicio do ano passado, então? Desse jeito, quando é que vão fechar a relação de projetos para esse aniversário? E a aprovação por parte dos cidadãos, quando vai acontecer? Cadê a transparência? Cadê os Vereadores? Será que  receberam ao menos uma copia do que foi proposto pelas sub-comissões?

3 - Ao dar posse a Comissão dos 400 anos o Sr. Prefeito fez questão de ressaltar que "as competências das Secretarias não deveriam entrar no rol de projetos das sub-Comissões." Vimos, porém, que as ações propostas não respeitavam essa condição colocada pelo Sr. Prefeito. De fato...

4 -A  SEMMA, por exemplo, propunha, entre outras coisas:
- a "poda das árvore e retirada das ervas de poassarinho..." por um custo estimado em R$ 822.568,000; 
-  um tal de "florir Belém" por R$ 1.066.561.64, criando uma Rota das Flores seguindo ciclovias e ciclofaixas; 
- um mapa de "Arborização de Belém", ou seja, praticamente a criação de um banco de dados para elaboração de um inventario da arborização de Belém e seus Municipios a um custo de R$ 283.433,00;
- a Revitalização do Parque Ecológico Gunnar Vingren, por R$ 2.500.000,00...
Temos que perguntar: quais dessas propostas não fazem parte das competências da Semma?

5 - A Fumbel, também extrapolou nas suas propostas, inserindo pontos que não foram apresentados na subcomissão "Educação, Arte, Cultura, Historia e Memória". Alias, aqui a Cidade Velha, principal a niversariante, foi completamente ignorada, pois todas as propostas que fizemos foram canceladas. Apareceram, porém:
- R$ 300.000,00 para  grafitarem pontos estratégicos escolhidos pela PMB, que esperamos tanto não sejam na Cidade Velha, pois isso não faz parte da memoria que as leis querem salvaguardar;
- para as escolas de samba falarem dos 400 anos, porém, foram previstos apenas R$150.000,00. Será para cada escola ou para dividir entre elas????.
- e um "concurso  nacional de quadrilhas juninas" pela bagatela de R$ 3.000.000,00. Será que todas as cidades do Pará estarão presentes?
- o Relógio digital com contagem regressiva,  que tinha sido cancelado na Sub -comissão, reaparece com um  custo  de R$ 300.000,00;
- a programação cultural que iria de 31/12/2015 até 31/01/2016, a ser feita junto com a SEJEL/COMUS,  assim como o que iriam fazer no dia 12/01,  não individuava o custo nem as ações, assim como o de muitas outras propostas, mas tem uma:
- exposição cultural por R$ 500.000,00;
- a Bienal das /Artes por R$ 3.000.000.00
- e a incrivel proposta de consultoria italiana para preparar normas e regulamentações relativamente a captação de recursos para proteger nosso patrimônio histórico e cultural. (Será que o consultor fala portugues? ou ainda tem-se que pagar a tradução?). Parece presente de grego.

Enquanto faziam essas propostas,  o Conselho do Patrimônio (Monumenta-Funpatri)continuava, ha quase um ano, a esperar sua posse...

6- A Secon aparece com um Festival do Açai por R 300.000,00, entre outras propostas....

7 - Os quiosques da Belemtur sairiam por R$180.000,00, um festival de cultura itinerante por R$ 420.000,00 e o  pórtico no aeroporto sairia por R$ 280.000,00.

8- Livros a serem publicados sem que se  saiba  por que,  qual seu objetivo ou como foi feita a escolha, também fazem parte de tal relação. 

9 - Outras propostas de "amigos" e aquelas com seus custos relevantes, deixamos de lado, além de muitas outras que nem custo tinham.

Francamente, lembrando o discurso inicial do Prefeito que dizia não ter fundos para muitos gastos, essa relação é uma verdadeira desmentida. Lendo-a, somos obrigados a perguntar: para que serviu a constituição da Comissão 400 anos, se, por fora, triplicaram as propostas incluindo até o que é de competência das Secretarias?

Faltam seis meses para os 400 anos de Belém e não sabemos o que vai ser feito, muito menos quanto custará e de onde virá esse dinheiro. A lei da Transparência continua a ser ignorada, assim como a Constituição também, quando fala da 'participação da comunidade'.

Estamos ansiosos para saber o que mais acontecerá depois da nomeação da firma que fará outros projetos, que nem aparecem nas relações precedentes.