oportunidades e desafios.
* Por
Jaime Cuéllar Velarde [1]
Em 2023,
Dubai, durante a COP 28, em fins de novembro e início de dezembro, as nações
presentes optaram por discutir os rumos das alterações climáticas no globo no
lugar mais apropriado possível. Por isso, escolheram o local mais próximo
possível do maior arquipélago fluviomarinho do mundo, Marajó. A cidade eleita precisava
emanar verde, floresta, vida. Então, escolheram Belém (PA), no Brasil. Justo a
capital brasileira com a maior proporção de sua população vivendo em
aglomerados “subnormais” (segundo o IBGE, cidade com favelas, palafitas, invasões
etc.). Justo próximo do Marajó, espaço geográfico cheio de conflitos na
convivência de seres humanos, lixo não tratado, sem água potável. Justo do
estado com mais mortes motivadas por disputas de terras. A capital paraense,
assim como outras tantas cidades amazônicas, tem os mesmo problemas e desafios.
A Amazônia carrega
importâncias históricas e simbólicas. O que a Amazônia pode esperar vai muito
além dos acordos formais e troca em questões fundamentais para o seu futuro.
Espera-se a semeadura mágica de oportunidades, o que gera expectativas positivas
para a Amazônia.
Inicialmente,
será o centro das atenções mundiais. Lideranças globais vão debater sobre o clima
do planeta. Isso gera uma pressão política e midiática internacional sem
precedentes sobre os governos e empresas para apresentarem resultados
concretos. Ao mesmo tempo, lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
cientistas e ativistas locais terão um palco de visibilidade única para
apresentar suas demandas, soluções e conhecimentos tradicionais diretamente aos
tomadores de decisão global. Portanto, é preciso sabedoria para utilizar este
megafone com amplitudes globais.
Caso os
discursos sejam erigidos com algum rigor científico, é possível que haja aceleração
de mecanismos de financiamento considerando o recente (e lucrativo) mercado de carbono
e pagamento por serviços ambientais. A COP poderá ser ambiente fundamental para
buscar e ampliar acordos de financiamento baseados na manutenção da floresta em
pé. Países e empresas ricos, sob pressão para cumprir metas de emissões, podem
anunciar grandes investimentos em projetos de REDD+ (Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação Florestal) e em créditos de carbono de alta qualidade
originários da Amazônia. A Noruega, por exemplo, antes do início oficial do
evento, já iniciou o leilão de ofertas com doação de 3 Bilhões de dólares para
o Fundo das Florestas Tropicais para Sempre. A Alemanha, junto com a Noruega,
em eventos anteriores já teve doações bem vultosas. Isto gera grande expectativa
de anúncio de novos fundos bilionários de países desenvolvidos, bancos
multilaterais e investidores privados para projetos de bioeconomia, conservação
e desenvolvimento sustentável na região.
Caso o
fenômeno de doações vultosas aconteça, a COP servirá como uma vitrine global
para cadeias de valor sustentáveis. Sem sombra de dúvidas haverá impulso à bioeconomia
e economia com a floresta em pé, com desmatamento zero (ou próximo a isso). Por
conseguinte, é de se esperar um hiper valorização de produtos oriundos da sociobiodiversidade,
como o açaí, a castanha-do-Brasil, óleos vegetais (andiroba, copaíba), pesca
manejada e outros. Isso pode abrir novos mercados e atrair investimentos para
negócios locais.
Sobre isso, o
Historiador marajoara Wallamy Caldas, ao pesquisar comunidades do Rio Camarapí,
no interior da cidade de Portel (PA), percebeu processos de cura holística que
dão conta de saberes de plantas medicinais da floresta, entremeadas com curas
espirituais. Se no mundo urbano temos centros médicos com departamentos de drogas
e alas psiquiátricas, a floresta há séculos tem o mesmo, com nomenclaturas diferentes.
Embora tais processos de cura sejam marginalizados, existem, resistem e
persistem porque é funcional.
A atração de Green
Business (grandes empresas com compromissos Ambiental, Social e Governança)
compreenderão a COP30 como uma oportunidade para estabelecer parcerias e
investir em startups e cooperativas da Amazônia, gerando emprego e renda a
partir da floresta conservada.
Estes fatos,
obviamente, estão no campo das especulações otimistas. Presumo que é necessário
articular discursos meticulosamente para obter resultados positivos para a
sociedade como um todo.
Para além dos
investimentos do grande capital, é preciso esforços da governança política com
relação ao combate ao crime ambiental. A história recente comprovou o quão
perigoso é um governo que abre frestas para “passar a boiada”. Neste sentido, a
questão amazônica passa por uma ampliação de cooperação internacional entre
países amazônicos. Caso contrário será impossível monitorar e combater o
desmatamento transfronteiriço, o garimpo ilegal e o tráfico de madeira, por
exemplo.
O holofote
global deve ser usado para pressionar governos federal e estaduais para
fortalecer órgãos de fiscalização como o IBAMA e a Polícia Federal, no caso
brasileiro. Mas países “hermanos” também devem cumprir tais metas.
Por fim, diálogo com saberes ancestrais deve estar acima de tudo. Os saberes tradicionais das florestas precisam usar a COP30 em Belém para tornar o evento em um palco privilegiado de encontros com o conhecimento científico ocidental e cartesiano. Isso é fundamental, haja vista que os donos da casa devem ser os primeiros a ter interesses atendidos.
Desafios para
não transformar sonhos em pesadelos.
Primeiro, o
iminente risco do "Greenwashing" (Lavagem Verde). Sim, promessas vazias
não são surpresa para os povos amazônicos que já presenciaram, e foram vítimas,
de governos e empresas empenhadas em “terras sem homens para homens sem terra”.
Hidrelétricas que jamais beneficiaram comunidades locais com “bicos de luz”,
grandes pastos com ganados gordos que serviram e servem de sepulturas. Sem
olvidar os “grandes projetos” que colocaram povos originários em covas rasas e
enriqueceram grupos isolados que jamais pisaram na floresta.
Assim, há um
risco real de que governos e empresas usem a COP30 para fazer anúncios
grandiosos sem um plano de implementação claro ou mecanismos de transparência e
prestação de contas. A Amazônia pode se tornar apenas um pano de fundo para
marketing e alavancagem de negócios sem necessariamente beneficiar a região.
Ao mesmo
tempo, considerando o melhor dos cenários com as vultosas somas chegando com a
melhor das intenções, quando a região voltar à normalidade sem a presença de
nossos ilustres visitantes, há de se pensar no “dia seguinte”. Então, a
pergunta é: “O dinheiro chega a quem?”
Ainda que
bilhões de dólares sejam prometidos, ainda que o dinheiro saia dos cofres do
grande capital, ainda que chegue até a Amazônia, o maior desafio é garantir que
esse dinheiro chegue de fato às comunidades locais. Este é, sem sombra de
dúvidas, o maior temor de pequenos produtores e projetos de base tão
acostumados a ouvir promessas e seguir em sinas de abandono. Ou, pelo menos,
que os investimentos não fiquem presos em burocracias governamentais ou sejam
desviados para tradicionais ONGs fantasmas e emendas parlamentares com fins
duvidosos.
Outro cenário possível é a “floresta como empecilho”, como teme a historiadora Doutora em História Social, da Universidade Federal do Pará, Leila Mourão. Se a Amazônia já foi o “pulmão do mundo”, hoje seguem os discursos que veem este espaço como “salvação do mundo”. Em suma, temos o desafio dos interesses entre a “Velha” e “Nova” economias já em guarda na região. A pesquisadora teme a COP30 em Belém como um palco de conflitos entre os interesses do modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio (que muitas vezes avança sobre a floresta). Esse tradicional modelo da bioeconomia possui vigorosos setores ligados ao desmatamento assentados em cadeiras legislativas ávidos para minimizar acordos que limitem suas atividades.
A COP terá o
desafio de mudar a narrativa sobre a Amazônia. A região deve sair de "problema"
ou uma "fonte de recursos a ser explorada" para a solução central
para a crise climática global. Mas para isso, é vital atrair os investimentos e
a atenção necessários para construir um novo modelo econômico que gere riqueza
mantendo a floresta em pé. Este desafio é nosso. Empoderar, DE FATO, os povos
da floresta como os principais guardiões e gestores desse patrimônio é o
primeiro passo.
Nesta esteira
de pensar a cidade e a floresta no mesmo binômio compondo o mesmo processo
histórico, o pesquisador Doutor em História Social, da Universidade Federal do
Para, Agenor Sarraf Pacheco, há muito alerta sobre “cidades-floresta”. Sua
pesquisa a partir do município de Melgaço, no Marajó, cujo Indice de
Desenvolvimento Humano é o pior do Brasil, desnuda matrizes culturais e sociais
nascendo e coexistindo em simbiose. Saberes das matas adentram postos de saúde
do Sistema Único de Saúde com naturalidade. É o “regime das águas” quem governa
a Amazônia. E assim deve permanecer porque é funcional e atende as expectativas
históricas dos moradores.
Isto torna o
desafio colossal pois, a COP não é um evento brasileiro. É transnacional. Qualquer
plano de ação deverá contemplar as demais nações amazônicas. Desta forma, Peru,
Colômbia, Bolívia, Venezuela, Guianas (Francesa e Holandesa), Suriname, Equador,
perfazem o conjunto de nações amazônicas. A Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica (OTCA), um organismo intergovernamental dedicado a
promover a cooperação regional para o desenvolvimento sustentável da Bacia
Amazônica. Portanto, é necessário compreender que possíveis investimentos não
são única e exclusivamente para serem geridos pelo governo do estado do Pará. A
COP é um evento global. Belém é somente a sede do evento.
A COP não é o
“santo graal”. Ela é uma ferramenta poderosa e um ponto de partida. O sucesso
real será medido nos anos seguintes, pela redução concreta do desmatamento,
pelo fluxo de recursos para comunidades e pelo surgimento de uma economia
próspera e sustentável na região. A Amazônia pode esperar uma janela de oportunidade
única, mas caberá aos seus líderes, à sociedade civil e aos governos a tarefa
de mantê-la aberta e garantir que os frutos beneficiam a floresta e sua gente.
Nós, formadores de opinião e consciência ambiental, temos o dever registrar e
cobrar.
[1]
Licenciado Pleno e Bacharel em História, Especialista em Ensino de História do Brasil,
Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura, Doutorando em História Social da Amazônia.
Pesquisador de memórias da resistência à ditadura na Amazônia. Autor da obra “Memórias
& Sentimentos do Golpe Civil-militar. Estudos Culturais e História Oral na
Amazônia Paraense” (2015).
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