domingo, 9 de novembro de 2025

COP30 EM BELÉM:

 oportunidades e desafios.

* Por Jaime Cuéllar Velarde [1]

 

Em 2023, Dubai, durante a COP 28, em fins de novembro e início de dezembro, as nações presentes optaram por discutir os rumos das alterações climáticas no globo no lugar mais apropriado possível. Por isso, escolheram o local mais próximo possível do maior arquipélago fluviomarinho do mundo, Marajó. A cidade eleita precisava emanar verde, floresta, vida. Então, escolheram Belém (PA), no Brasil. Justo a capital brasileira com a maior proporção de sua população vivendo em aglomerados “subnormais” (segundo o IBGE, cidade com favelas, palafitas, invasões etc.). Justo próximo do Marajó, espaço geográfico cheio de conflitos na convivência de seres humanos, lixo não tratado, sem água potável. Justo do estado com mais mortes motivadas por disputas de terras. A capital paraense, assim como outras tantas cidades amazônicas, tem os mesmo problemas e desafios.

A Amazônia carrega importâncias históricas e simbólicas. O que a Amazônia pode esperar vai muito além dos acordos formais e troca em questões fundamentais para o seu futuro. Espera-se a semeadura mágica de oportunidades, o que gera expectativas positivas para a Amazônia.

Inicialmente, será o centro das atenções mundiais. Lideranças globais vão debater sobre o clima do planeta. Isso gera uma pressão política e midiática internacional sem precedentes sobre os governos e empresas para apresentarem resultados concretos. Ao mesmo tempo, lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhos, cientistas e ativistas locais terão um palco de visibilidade única para apresentar suas demandas, soluções e conhecimentos tradicionais diretamente aos tomadores de decisão global. Portanto, é preciso sabedoria para utilizar este megafone com amplitudes globais.

Caso os discursos sejam erigidos com algum rigor científico, é possível que haja aceleração de mecanismos de financiamento considerando o recente (e lucrativo) mercado de carbono e pagamento por serviços ambientais. A COP poderá ser ambiente fundamental para buscar e ampliar acordos de financiamento baseados na manutenção da floresta em pé. Países e empresas ricos, sob pressão para cumprir metas de emissões, podem anunciar grandes investimentos em projetos de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) e em créditos de carbono de alta qualidade originários da Amazônia. A Noruega, por exemplo, antes do início oficial do evento, já iniciou o leilão de ofertas com doação de 3 Bilhões de dólares para o Fundo das Florestas Tropicais para Sempre. A Alemanha, junto com a Noruega, em eventos anteriores já teve doações bem vultosas. Isto gera grande expectativa de anúncio de novos fundos bilionários de países desenvolvidos, bancos multilaterais e investidores privados para projetos de bioeconomia, conservação e desenvolvimento sustentável na região.

Caso o fenômeno de doações vultosas aconteça, a COP servirá como uma vitrine global para cadeias de valor sustentáveis. Sem sombra de dúvidas haverá impulso à bioeconomia e economia com a floresta em pé, com desmatamento zero (ou próximo a isso). Por conseguinte, é de se esperar um hiper valorização de produtos oriundos da sociobiodiversidade, como o açaí, a castanha-do-Brasil, óleos vegetais (andiroba, copaíba), pesca manejada e outros. Isso pode abrir novos mercados e atrair investimentos para negócios locais.

Sobre isso, o Historiador marajoara Wallamy Caldas, ao pesquisar comunidades do Rio Camarapí, no interior da cidade de Portel (PA), percebeu processos de cura holística que dão conta de saberes de plantas medicinais da floresta, entremeadas com curas espirituais. Se no mundo urbano temos centros médicos com departamentos de drogas e alas psiquiátricas, a floresta há séculos tem o mesmo, com nomenclaturas diferentes. Embora tais processos de cura sejam marginalizados, existem, resistem e persistem porque é funcional.

A atração de Green Business (grandes empresas com compromissos Ambiental, Social e Governança) compreenderão a COP30 como uma oportunidade para estabelecer parcerias e investir em startups e cooperativas da Amazônia, gerando emprego e renda a partir da floresta conservada.

Estes fatos, obviamente, estão no campo das especulações otimistas. Presumo que é necessário articular discursos meticulosamente para obter resultados positivos para a sociedade como um todo.

Para além dos investimentos do grande capital, é preciso esforços da governança política com relação ao combate ao crime ambiental. A história recente comprovou o quão perigoso é um governo que abre frestas para “passar a boiada”. Neste sentido, a questão amazônica passa por uma ampliação de cooperação internacional entre países amazônicos. Caso contrário será impossível monitorar e combater o desmatamento transfronteiriço, o garimpo ilegal e o tráfico de madeira, por exemplo.

O holofote global deve ser usado para pressionar governos federal e estaduais para fortalecer órgãos de fiscalização como o IBAMA e a Polícia Federal, no caso brasileiro. Mas países “hermanos” também devem cumprir tais metas.

Por fim, diálogo com saberes ancestrais deve estar acima de tudo. Os saberes tradicionais das florestas precisam usar a COP30 em Belém para tornar o evento em um palco privilegiado de encontros com o conhecimento científico ocidental e cartesiano. Isso é fundamental, haja vista que os donos da casa devem ser os primeiros a ter interesses atendidos. 

Desafios para não transformar sonhos em pesadelos.

Primeiro, o iminente risco do "Greenwashing" (Lavagem Verde). Sim, promessas vazias não são surpresa para os povos amazônicos que já presenciaram, e foram vítimas, de governos e empresas empenhadas em “terras sem homens para homens sem terra”. Hidrelétricas que jamais beneficiaram comunidades locais com “bicos de luz”, grandes pastos com ganados gordos que serviram e servem de sepulturas. Sem olvidar os “grandes projetos” que colocaram povos originários em covas rasas e enriqueceram grupos isolados que jamais pisaram na floresta.

Assim, há um risco real de que governos e empresas usem a COP30 para fazer anúncios grandiosos sem um plano de implementação claro ou mecanismos de transparência e prestação de contas. A Amazônia pode se tornar apenas um pano de fundo para marketing e alavancagem de negócios sem necessariamente beneficiar a região.

Ao mesmo tempo, considerando o melhor dos cenários com as vultosas somas chegando com a melhor das intenções, quando a região voltar à normalidade sem a presença de nossos ilustres visitantes, há de se pensar no “dia seguinte”. Então, a pergunta é: “O dinheiro chega a quem?”

Ainda que bilhões de dólares sejam prometidos, ainda que o dinheiro saia dos cofres do grande capital, ainda que chegue até a Amazônia, o maior desafio é garantir que esse dinheiro chegue de fato às comunidades locais. Este é, sem sombra de dúvidas, o maior temor de pequenos produtores e projetos de base tão acostumados a ouvir promessas e seguir em sinas de abandono. Ou, pelo menos, que os investimentos não fiquem presos em burocracias governamentais ou sejam desviados para tradicionais ONGs fantasmas e emendas parlamentares com fins duvidosos.

Outro cenário possível é a “floresta como empecilho”, como teme a historiadora Doutora em História Social, da Universidade Federal do Pará, Leila Mourão. Se a Amazônia já foi o “pulmão do mundo”, hoje seguem os discursos que veem este espaço como “salvação do mundo”. Em suma, temos o desafio dos interesses entre a “Velha” e “Nova” economias já em guarda na região. A pesquisadora teme a COP30 em Belém como um palco de conflitos entre os interesses do modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio (que muitas vezes avança sobre a floresta).  Esse tradicional modelo da bioeconomia possui vigorosos setores ligados ao desmatamento assentados em cadeiras legislativas ávidos para minimizar acordos que limitem suas atividades.

A COP terá o desafio de mudar a narrativa sobre a Amazônia. A região deve sair de "problema" ou uma "fonte de recursos a ser explorada" para a solução central para a crise climática global. Mas para isso, é vital atrair os investimentos e a atenção necessários para construir um novo modelo econômico que gere riqueza mantendo a floresta em pé. Este desafio é nosso. Empoderar, DE FATO, os povos da floresta como os principais guardiões e gestores desse patrimônio é o primeiro passo.

Nesta esteira de pensar a cidade e a floresta no mesmo binômio compondo o mesmo processo histórico, o pesquisador Doutor em História Social, da Universidade Federal do Para, Agenor Sarraf Pacheco, há muito alerta sobre “cidades-floresta”. Sua pesquisa a partir do município de Melgaço, no Marajó, cujo Indice de Desenvolvimento Humano é o pior do Brasil, desnuda matrizes culturais e sociais nascendo e coexistindo em simbiose. Saberes das matas adentram postos de saúde do Sistema Único de Saúde com naturalidade. É o “regime das águas” quem governa a Amazônia. E assim deve permanecer porque é funcional e atende as expectativas históricas dos moradores.

Isto torna o desafio colossal pois, a COP não é um evento brasileiro. É transnacional. Qualquer plano de ação deverá contemplar as demais nações amazônicas. Desta forma, Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Guianas (Francesa e Holandesa), Suriname, Equador, perfazem o conjunto de nações amazônicas. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), um organismo intergovernamental dedicado a promover a cooperação regional para o desenvolvimento sustentável da Bacia Amazônica. Portanto, é necessário compreender que possíveis investimentos não são única e exclusivamente para serem geridos pelo governo do estado do Pará. A COP é um evento global. Belém é somente a sede do evento.

A COP não é o “santo graal”. Ela é uma ferramenta poderosa e um ponto de partida. O sucesso real será medido nos anos seguintes, pela redução concreta do desmatamento, pelo fluxo de recursos para comunidades e pelo surgimento de uma economia próspera e sustentável na região. A Amazônia pode esperar uma janela de oportunidade única, mas caberá aos seus líderes, à sociedade civil e aos governos a tarefa de mantê-la aberta e garantir que os frutos beneficiam a floresta e sua gente. Nós, formadores de opinião e consciência ambiental, temos o dever registrar e cobrar. 



[1] Licenciado Pleno e Bacharel em História, Especialista em Ensino de História do Brasil, Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura, Doutorando em História Social da Amazônia. Pesquisador de memórias da resistência à ditadura na Amazônia. Autor da obra “Memórias & Sentimentos do Golpe Civil-militar. Estudos Culturais e História Oral na Amazônia Paraense” (2015).

 

 

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