quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Acautelamento ... protocolado no MPF


Esta manhã, cidadãos de Belém representando os Amigos do Ver-o-peso, a Civviva, a Iacitatá, a Rede de Cultura Alimentar  e outros  parceiros de luta, foram até o  Ministério  Público  Federal protocolar  uma  nota  com  a  qual  pedem a mediação daquele orgão  relativamente a  maquete eletrônica  divulgada  pela Prefeitura,  onde  mostram  uma  especie  de 'galpão'  que pretendem
 construir  no Ver-o-Peso sem a devida consultação dos cidadãos de Belém.

Este o texto


Belém, 03 de fevereiro de 2016
Ao Ministério Público Federal
Ilmo. Sr. Alan Mansur                                                             MPF/PRPA
Procurador Chefe do MPF em exercício                                Nr. 3124/2016
Ilmo Sr. José Augusto Potiguar
Procurador Regional da República

            Nós, abaixo assinados, acreditamos que ao longo de sua existência o Ver-o-Peso construiu um lugar definitivo no espaço social, econômico e simbólico de Belém e na História da Amazônia. Do século XVII aos dias de hoje inúmeras mudanças ocorreram a sua volta, mas ele segue como nossa mais expressiva referência, atestando sua importância para a preservação da Cultura Amazônica. Mais do que um complexo arquitetônico e paisagístico, reconhecido através de tombamento pelo IPHAN em 1977, é um Bem que guarda em seus saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações e formas de expressões artísticas, lugares e produtos as marcas de uma Cultura, resultados de práticas que, de uma forma paradoxal, mantém um caráter urbano/ribeirinho - moderno/tradicional.
              Baseados em quanto prevê nossa Constituição, com a presente estamos reivindicando e exercendo o  papel previsto para a comunidade junto ao poder público, como uma forma de acautelamento e preservação da nossa memória histórica . De fato, conforme o Art. 216, V, § 1º: " O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro(...)".
            Compartilhamos da compreensão de Maria Dorotéa de Lima, presidente do IPHAN-Pa, que afirma: “Embora os trabalhadores do Ver-o-Peso não possam ser incondicionalmente enquadrados no conceito de população tradicional contido no decreto 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, também não estão necessariamente dissociados deste, seja por constituírem grupos sociais que ocupam um mesmo território associado ao trabalho e a produção cultural de suas práticas, seja pelo saber local impregnado por conhecimentos tradicionais,” em “Patrimônio Cultural: Os Discursos Oficiais e o que se diz no Ver-o-Peso” publicado em “Ver-o-Peso – Estudos Antropológicos no Mercado de Belém. (Org. Wilma Marques Leitão – NAEA-UFPA/2010)”.
            Assim, preocupa-nos o fato da administração pública federal não considerar ouvir a sociedade quando da realização de uma obra de infraestrutura profunda em um patrimônio cultural tão representativo quanto é o Ver-o-Peso. No sítio do IPHAN encontramos o Manual de Execução de Ações em Espaços Públicos Urbanos. O documento “tem por objetivo orientar a Caixa Econômica Federal, Municípios e Estados sobre o processo de aprovação e execução de projetos envolvendo recursos do Orçamento Geral da União, nas Ações sob a responsabilidade do IPHAN, dentro da categoria PAC Cidades Históricas, Modalidade Obras em Espaços Públicos”. Infelizmente, em todas as suas diretrizes e normas para a liberação da obra e dos recursos federais, em nenhum momento é garantido um espaço de participação à sociedade, antes da intervenção em seu patrimônio cultural - o que para nós é uma falha grave... esquecendo assim de confirmar e assegurar quanto prevê/estabelece  a Constituição.
            Recentemente, a administração municipal de Belém divulgou uma maquete eletrônica, uma animação virtual do “galpão” que pretende construir no Ver-o-Peso, imagens que por si sós já descaracterizam o espaço, a paisagem e que, entre outros problemas, provoca a perda do título de “maior feira livre a céu aberto da América Latina”. Imediatamente, nas redes virtuais, surgiram questionamentos acerca da proposta da Prefeitura. Em resposta, o IPHAN divulgou uma nota  procurando explicar que o projeto apresentado ainda não foi aprovado pelo Instituto. Por outro lado, o texto do órgão federal levantou outras questões que também precisam ser esclarecidas:
1.                  O IPHAN trabalha para que a obra aconteça e inicie ainda em 2016, pois vai reforçar a candidatura do Ver-o-Peso à patrimônio mundial da Unesco.
    Em primeiro lugar, os recursos do PAC Cidades Históricas para a recuperação do Ver-o-Peso foram anunciados ainda em 2013. De lá para cá, pouco ou quase nada foi realizado pela Prefeitura para que o projeto acontecesse. Até mesmo as ações cotidianas de preservação das estruturas do espaço são exíguas. Como exemplo, podemos citar o fato que às vésperas do Círio de 2015 foram os próprios feirantes que arcaram com o custo (cerca de R$ 1.400,00) de uma nova cobertura para o Setor de Alimentos. Diante do quase abandono total, há tanto tempo, realizar intervenção arquitetônica, radical, em menos de um ano, motivados por mais um título, sem preocupação com a vida e a  cultura local, parece-nos fora de propósito e cabimento. As prioridades do Ver-o-Peso, seus trabalhadores e usuários, devem ser consideradas antes das necessidades burocráticas e das políticas administrativas. O que não foi feito em três anos, não deve ser realizado em seis meses.
     Acreditamos ser importante o reconhecimento da Unesco, mas ficamos com uma pergunta: de que adianta mais este título para o Ver-o-Peso, se cada vez mais ele se distancia de uma feira livre e cada vez mais se aproxima de um arremedo de shopping Center? Há, inclusive, previsão de utilização de ar condicionado em alguns setores (conforme reclamação dos feirantes) e rebaixamento do piso do Setor de Bares – o que pode acarretar sérios problemas para a Cidade, uma vez que mexerá com o escoamento das águas fluviais e pluviais, sob o Ver-o-Peso.
2.                  Ainda segundo a Nota do Iphan, já foram realizados dois momentos de consulta e diálogo com os feirantes. O primeiro foi na etapa de diagnóstico e o segundo para a apresentação do estudo preliminar, quando diversas alterações foram sugeridas e acatadas pelos arquitetos. Um terceiro encontro está sendo planejado para a apresentação do projeto com as modificações. (...) Recomendamos também à PMB a apresentação pública do projeto.
     Questionamos se duas ou três reuniões com os trabalhadores da feira são suficientes para esgotar as questões envolvendo uma obra que vai reconfigurar todo aquele espaço, que além de ser dos feirantes é dos cidadãos, que em nenhum momento foram ouvidos? Pelo pouco que ficamos sabendo do projeto, a partir da conversa com os trabalhadores que conseguiram participar de pelo menos uma das reuniões, há proposta de mudar a localização atual dos setores, deslocando a venda de novos produtos para a av. Boulevard Castilhos França, privilegiando alguns em detrimento de outros, sob quais justificativas não sabemos. É fato também que hoje os feirantes são contrários às mudanças propostas, em geral.
3.                  E outra informação do IPHAN é a realização de um momento para apresentação pública.
     Infelizmente, para nós da sociedade, é o mesmo que conhecer o projeto pelas redes sociais, atitude já tomada pela Prefeitura. Um dos principais desafios das políticas públicas de preservação do patrimônio é envolver a sociedade e os campos da Educação e Cultura nesses processos. Entendemos este momento de grande transformação como uma oportunidade para que Belém veja o Ver-o-Peso não apenas como o seu “maior cartão postal”, mas que seus cidadãos se insiram como participantes ativos deste processo de mudança. É também a oportunidade de realização da chamada educação patrimonial, atividade já desenvolvida no local, de forma independente, por algumas escolas públicas e privadas que conduzem seus alunos por entre os corredores culturais do Ver-o-Peso.
            Propomos que dos milhões previstos para a reforma do Ver-o-Peso, um percentual seja destinado para ações de educação patrimonial, envolvendo alunos de escolas públicas urbanas e ribeirinhas, em visitas monitoradas pelo Complexo. Não seria nada de novo, na verdade, seria uma iniciativa que além de ir ao encontro das metas (12 e 14) do Plano Nacional de Cultural, do governo federal, com o tempo também garantiria o empoderamento de feirantes e cidadãos, evitando novas investidas autoritárias no local.
            E como outra referência importante para este momento, também resgatamos o pensamento da presidente nacional do IPHAN, Jurema Machado, no documento “Desafios da Gestão do Patrimônio”: “É necessário procurar o equilíbrio entre os papéis da União, dos Estados, dos Municípios, da Comunidade e do setor privado, investindo fortemente na ampliação de uma rede de proteção e valorização do patrimônio, não só para desonerar o órgão federal de tantas responsabilidades, mas para alcançar a verdadeira razão de existir do patrimônio, que é fazer sentido no universo e na vida cotidiana dos cidadãos.”.
            O “projeto da Prefeitura”, que, de fato, não foi apresentado oficialmente, ainda nos preocupa pelo sério risco de gentrificação do Veropa - quando a arquitetura passa a ser intimidadora, passa a ter um viés higienizador, determinando quem pode e quem não merece estar ali - situação semelhante a vivida pelos moradores de Recife, com as mudanças que querem impor na região do Cais Stelita, e as ocorridas aqui mesmo, com a construção da Estação das Docas e outros espaços “revitalizados” pelo poder público. O Ver-o-Peso tornou-se como um oásis da Cultura Popular na orla de Belém e a todo tempo é ameaçado pelo abandono oficial que pretende comprovar a incapacidade do povo cogerir seus espaços econômicos e culturais. Mesmo sofisticada, a reforma proposta, de modernização ou adequação, não pode jamais constranger qualquer cidadão de transitar pelo Veropa - o mercado não pode perder sua característica maior de lugar do nosso afeto cultural, outra marca de Belém e da Amazônia.
            Não aceitamos como normal que uma administração pública determine que milhares de trabalhadores, frequentadores e usuários não tenham nada a dizer a respeito do patrimônio que é da Cidade, de seus cidadãos. Neste sentido, consideramos o projeto apresentado pela Prefeitura (através de maquete virtual) elitista, excludente e que aponta no caminho de afastamento da população e destruição da cultura popular. Isto sim, para nós é um dado negativo e que depõe contra a candidatura do Ver-o-Peso ao reconhecimento da UNESCO como patrimônio mundial.
            Diante do exposto, buscamos no Ministério Público Federal um posicionamento mediador na questão. Que possa criar um ambiente de diálogo, através de tantas e quantas audiências públicas sejam necessárias, para a construção de uma proposta de intervenção que não fique sujeita às pressões de novos  títulos internacionais; anos eleitorais; às decisões de políticos da administração pública, interesse de projetistas ou apenas ao agrado dos trabalhadores do local (o que no caso é justo), mas que também garanta aos cidadãos, frequentadores e usuários do Ver-o-Peso uma oportunidade para exercer a  prevista  cidadania através da colaboração com o poder publico, para assim  ter, verdadeiramente, voz ativa nas decisões a respeito do seu patrimônio.

1.       Amigos do Ver-o-Peso 
2.       Civviva -  Associação CIDADE VELHA-CIDADE VIVA 
3.       IACITATÁ AMAZONIA VIVA 
4.       Rede de Cultura Alimentar 
5.      Patricia Rocha
6.       Edson Pereira de Souza 
7.       Anastácio Trindade Campos 
8.       João Lucio Mazzini da Costa. 
9.       .  Maurício Morales de Souza
10.   Janduari A Simoes 
11.   Carla Sueli Cabral da Silva

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