segunda-feira, 6 de maio de 2019

DESTRUIÇÃO SILENCIOSA...


... do nosso patrimônio histórico.

O carnaval passou e o que aconteceu relativamente ao reconhecimento da existência de poluição sonora não deixou sinais de muitas mudanças. Triste, portanto, admitir que nos iludimos pensando que tal resultado provocasse outros, bem melhores. Pensamos, de fato, que algo fosse acontecer, relativamente a luta contra a poluição sonora.  Porém, não vimos surgirem propostas ou projetos a respeito... E a poluição continuou, tranquilamente, na Cidade Velha.

Sabemos que a trepidação que atinge os prédios em geral, não é causada somente pela poluição sonora. Outra causa significativa é o trânsito desregulado dentro da área tombada, apesar do que determina o Código do Transito.

Alias, os códigos existentes, parecem ser invisíveis, ou não constataríamos, diariamente, tamanha frequência de condutas  desrespeitosas, seja no que tange à poluição sonora ou ao trânsito,... da parte, inclusive, de servidores de órgãos públicos.

Duvidamos que sejam respeitadas in totum as normas pertinentes a autorizações para instalação de bares, restaurante e outros estabelecimentos de diversão, da parte dos entidades públicas responsáveis. Ainda sobre esse tema, recomendamos consultar: https://laboratoriodemocraciaurbana.blogspot.com/2017/08/a-proposito-de-bares-restaurantese.html

Por onde começar a examinar outras desatenções? O Código de Posturas do Município de Belém, no art. 30.II.a  estabelece que as calçadas destinam-se a pedestres, ao determinar que “é defeso também transformar as calçadas em terrace de bar, colocação de cadeiras e mesas”.


Do ponto de vista da hierarquia da legislação, sabemos que um decreto não pode modificar uma lei, portanto, são nulas as determinações do Decreto Municipal nº. 26578, de 14 de abril de 1994; assinado pelo então prefeito Dr. Hélio Mota Gueiros, e usado por SECON/SEURB, para administrar a cidade dentro de suas competências. Esse é o instrumento que regula a atividade de comércio ambulante, e nada mais, efetivamente. Cabe portanto ressaltar, que esse decreto é juridicamente nulo, pois ilegal, quando alude a calçadas... Esqueçam o que diz sobre elas.


Outro artigo do Código de Posturas solenemente ignorado é o de número 63, em cujos pontos I e VII é impedida a instalação de atividades rumorosas, principalmente em setores residenciais e comerciais. A quem é dirigido esse artigo?

O art. 81, por sua vez, trata de tranquilidade pública e impede a instalação de diversões públicas em locais que distem menos de 200 m, de igreja, colégio, hospital etc. Quanto às igrejas tombadas há maior razão ainda para serem protegidas, baseando-se nesse artigo, principalmente, pela poluição sonora produzida por essas atividades. Então, porque os órgãos públicos responsáveis continuam autorizando atividades rumorosas no entorno de igrejas tombadas, hospitais e colégios (vide os casos da Campina também)? O quê lhes motiva?

O desrespeito aos três artigos referidos constitui-se em uma situação de flagrante irresponsabilidade, pois, implica na destruição silenciosa da nossa memória histórica. Além do que, é um péssimo exemplo de má gestão pública. O respeito a esses três artigos do Código de Posturas já seria um grande passo avante na defesa do nosso patrimônio... público e privado.

Devemos lembrar que não temos conhecimento de revisão e atualização de nenhuma norma em vigor em Belém, após o tombamento do Centro Histórico, tanto aquele oriundo da FUMBEL quanto aquele do IPHAN. Esta condição prejudica a efetiva defesa dessas áreas tombadas.

Passando a outro Código... o do Trânsito prevê que seja o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN a estabelecer as normas, e o Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN, que é o órgão máximo normativo, consultivo e coordenador do Sistema Nacional de Trânsito na área de cada estado federativo, encarregado de “cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições”, além de, “acompanhar e coordenar as atividades de administração, educação, engenharia, fiscalização, policiamento ostensivo de trânsito, formação de condutores, registro e licenciamento de veículos, articulando os órgãos do Sistema no Estado, reportando-se ao CONTRAN”.


Será que dentro dessas competências cabe a defesa do patrimônio histórico? Certo é que carretas pesando mais de 4t continuam a transitar por nossa área tombada; que não existe nenhuma sinalização pertinente nessa área; que o trânsito aumentou com a liberação da circulação de vans na área tombada, sem que houvesse uma regulação específica; que as atividades de carga e descarga, também não estão devidamente disciplinadas no Centro Histórico.


Onde estão as isenções relativas aos artigos 180, 181 e 193 que permitam aos condutores de veículos de órgãos públicos fazerem o mesmo que fazem outros motoristas incivis? Está claro, porém, no artigo 193 que “Transitar com o veículo em calçadas, passeios, passarelas, ciclovias, ciclofaixas, ilhas, refúgios, ajardinamentos, canteiros centrais e divisores de pista de rolamento, acostamentos, marcas de canalização, gramados e jardins  públicos:


Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (três vezes). "



Considerando a ocorrência de desobediência generalizada a essas normas, no Centro Histórico, como os agentes públicos encarregados da fiscalização as ignoram, e nada fazem para reprimir essas infrações e punir os infratores?



Lembramos que as calçadas de lioz são tombadas, e as que não são tombadas, também não devem ser usadas como áreas de estacionamentos.



Quem as devem respeitar?


E quanto as cores usadas nas paredes externas das casas? Qual memória estão salvaguardando com a adoção dessas cores fortes? Até os debruns de portas e janelas, em cores contrastantes com o resto das paredes, nunca foram de uso comum em Belém, e menos ainda na Cidade Velha.

 Esse embelezamento não se identifica com a memória coletiva dos paraenses, e também contraria as leis que regem a preservação.




Outra anomalia: Uma casa na rua Dr. Malcher foi demolida recentemente, ficando de pé apenas a parede frontal. Essa demolição não seria ilegal?



No entanto, na fachada há até uma placa que, porém, não resulta  se a obra foi autorizada por alguna  instituição pública. Essa demolição seria lícita?






E as peças e monumentos de logradouros públicos que foram furtados ou depredados? O que as autoridades responsáveis farão para reconstituí-las, e evitar que outros furtos e depredações ocorram?


Esses são alguns aspectos do processo lento e dissimulado, mas, progressivo e permanente de destruição do nosso patrimônio cultural, histórico e artístico, e da respectiva memória coletiva. Edificações ruindo ou sendo descaracterizadas em sua volumetria, ou em alterações de cor; calçadas de lioz danificadas, removidas, ou cobertas de cimento; praças que se transformam em estacionamento; monumentos que desaparecem...

Ninguém se responsabiliza, nem fiscaliza o respeito às normas  e  o resultado se vê, de vez em quando, senão diariamente. Esse processo destrutivo, é intensificado pelos efeitos do regime de chuvas intensas e da excessiva umidade, característicos de nosso clima tropical.

E a Amigocracia vai avançando nesse silencio ensurdecedor.

Que seja esse mais um dos motivos que leva a tanto desinteresse pela  modificação do NOSSO PATRIMONIO?

Como é que ninguem vê e nem toma providências?




Um comentário:

Maria Diva disse...

As cidades civilizadas protegem seu patrimônio, sua história. Desde que voltei para viver em Belém, percebi que esta, com raras exceções, não era nem considerado pelos governantes.Perguntei pela Defesa Civil. Ninguém soube informar. Vinha de uma cidade, onde funcionava.
Fiquei estarrecida com o transito caótico, com calçadas públicas transformadas em estacionamentos particulares, em carros, ônibus, caminhões colocados em qualquer lugar a qualquer hora.
Percebi que as pessoas ficavam incomodadas com meus posicionamentos.Já se vão lá mais de 10 anos e ....Terra de Malboro, digo eu. Tudo vale, tudo pode...Tive que me adaptar mas lamento profundamente que uma cidade tão linda seja tão maltratada.