Recebi em 2003 do artista plastico Gougon, a nota abaixo sobre um painel/mosaico que desapareceu do aeroporto de Belém.
Belém,Belém, pra nunca mais ficar de bem!
O professor Douglas Marques de Sá é um artista muito queridoem Brasília, onde se estabeleceu há três décadas. Sua trajetória nas artescomeça ao ingressar no Curso de pinturana Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, no início dos anos50, aperfeiçoando-se no Museu de ArteModerna, também no Rio, e no Museu de Arte de São Paulo. Viria a tornar-sepouco tempo depois mestre nessas mesmas instituições.
Depois de uma coleção de prêmios no eixo Rio-São Paulo e deum período de vivência na Europa e nos EUA na segunda metade dos anos 60, essepaulista de São José dos Campos transferiu-se para Brasília em 1972, passando adar aula no antigo Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília, poronde se aposentou há poucos anos. Aos 73 anos, continua ativíssimo em seuateliê no Lago Sul, de onde brotam continuamente telas originais e inesperadas,sinalizando a inquietação permanente do artista.
O que poucos sabem, no entanto, é que, na base de suaformação acadêmica, Douglas participou da grande aventura do mosaico dos anos50 no Rio de Janeiro, que atraiu toda a constelação modernista, de DiCavalcanti a Portinari, de Carybé a Aldemir Martins, de Antonio Carelli aFlávio Shiró, de Inimá de Paula a Clóvis Graciano, de Burle Marx a Calabrone,de Takaoka a Lívio Abramo, de Paulo Werneck a Athos Bulcão.
Pois ao longo de toda a década de 50, Douglas dedicou-se decorpo e alma à produção variada de obra musiva, boa parte dela dedicada aprédios residenciais do Rio de Janeiro, especialmente os de Copacabana, umbairro que ainda guarda, em muitos de seus edifícios, painéis em mosaicosperfeitamente datados, refletindo o período de ouro de sua história.
Assim como Athos Bulcão, que até a véspera de mudar-se paraBrasília realizava mosaicos no Rio de Janeiro, Douglas também encontrou, nasnovas edificações da Cidade Maravilhosa, uma clientela farta para os muraismusivos.
Mas sua obra mais refinada, aquela que marcou o apogeudaquela fase, decorreu de encomenda do então novíssimo Aeroporto Internacionalde Belém do Pará, que exigiu do artista dois anos de trabalho contínuo paravencer os 60 metros quadrados de execução do painel. Foi realizado noRio de Janeiro, sendo concluído em 1957, todo ele em pastilhas de vidro,fabricadas pela Vidrotil, uma empresa que, vale assinalar, instalou-se em São Paulo em 1947,viabilizando as propostas musivas dos artistas dos dourados anos 50, em todo opaís. E que prossegue hoje, tornando possíveis as obras de artistas destacadoscomo Cláudio Tozzi, Tomie Ohtake e muitos outros que continuam abrindo caminhosatravés da arte do mosaico.
Antes da entrega da obra, Douglas a expôs no Museu Nacionalde Belas Artes no Centro do Rio de Janeiro, obtendo as mais significativaslouvações da crítica. A cronista Eneida, numa coluna do Diário de Notícias(8/5/1957), do Rio de Janeiro, parabeniza o artista, dá notícia da exposição ecomove-se: “Vi o mural de Marques de Sá e fiquei contente. Lá estão nossasaves, nossas flores, um jacaré anuncia que não se brinca com os nossos rios, háum gavião tão real que já prepara seu vôo, e vai ser bonito quando o turista oumesmo o natural do país chegar a Belém e tiver a saudá-lo no aeroporto nossaflora e fauna”. Eneida era paraense apaixonada (escreveu uma obra clássica,Banho de Cheiro, de amor à sua terra e à sua gente) e militante política dovelho Partidão, assim como Douglas.
Uma vez concluído, exibido e louvado pela crítica, o painelfoi transportado para Belém e instalado no Aeroporto Internacional. Iluminoucom sua graça o saguão de embarque e desembarque desde 1957 até 31 de Março de1964. Nos primeiros dias do golpe militar, um oficial da Aeronáutica cismou como painel de mosaico executado por Douglas – provavelmente por considerá-lo umsubversivo militante - e mandou derrubara obra da noite para o dia. Assim, numadessas manhãs chuvosas de Belém, a cidade amanheceu sem o seu painel, queretratava, com rara propriedade, as riquezas do Estado, suas matas e florestas,sua variedade piscosa, seus animais e seus pássaros e até mesmo o petróleo quecomeçava a surgir na região, prometendo uma era de progresso. Se não fossetrágico, o episódio teria tudo para figurar no “Febeapá”, o “Festival de Besteiras que Assola o País”,criado naquela época pelo colunista Stanislau Ponte Preta (pseudônimo dojornalista Sérgio Porto), ironizando os desmandos perpetrados pelos militaresgolpistas.
Douglas não guardou fotos do trabalho, mas, a meu pedido,vasculhou o baú de trastes antigos e encontrou, bem guardados, os esboçosoriginais da obra, que reproduzo aqui, deplorando a mediocridade que um diaassaltou a vida brasileira. A ditadura militar destruiu obras de arte ereprimiu sinais de vida inteligente nopaís. Feriu e sangrou o patrimônio cultural brasileiro e, neste caso, como diza letra de uma saudosa canção de Pixinguinha, deixou cacos de vidro espalhadosno meu coração.
Um comentário:
Há algum tempo busquei referências, registros sobre este mural para este pesquisador, mas não consegui nada. Pessoalmente não me lembro: ainda não era paraense nesta época. Me interessa há anos conhecer melhor sobre este painel...
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