sexta-feira, 7 de maio de 2010

INDIFERENÇA INSTALADA EM NÓS

VER VENDO

(Otto Lara Rezende)




De tento ver, a gente banaliza o olhar – vê... não vendo.

Experimente ver, pela primeira vez, o que você vê todo dia, sem ver.

Parece fácil, mas não é: o que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade.

O campo visual da nossa retina é como um vazio.



Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta.

Se alguém lhe perguntar o que você vê no caminho, você não sabe.

De tanto ver, você banaliza o olhar. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório.

Lá estava sempre, pontualíssimo, o porteiro. Dava-lhe bom dia e, ás vezes, lhe passava um recado ou uma correspondência.



Um dia o porteiro faleceu. Como era ele?Sua cara?Sua voz?

Como se vestia? Não fazia a mínima idéia.

Em 32 anos nunca conseguiu vê-lo.

Para ser notado o porteiro teve que morrer.

Se, um dia, em seu lugar estivesse uma girafa cumprindo o rito,

Pode ser, também, que ninguém desse por sua ausência.



O hábito suja os olhos e baixa a voltagem. Mas há sempre

o que ver: gente, coisa, bichos. E vemos? Não, não vemos.



Uma criança vê o que um adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos

Para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira

Vez, o que, de tão visto, ninguém vê. Há pai que raramente vê o próprio

Filho. Marido que nunca viu a própria mulher.



Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos.

... É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

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