sábado, 7 de janeiro de 2023

QUANDO BELÉM FOI FUNDADA...


... não era de moda ir “para a praia”. Banho se tomava de cuia, dentro de uma tina ou na beira de um poço. Só os índios usavam os igarapés e os rios para se banharem. O pudor ainda estava na moda, lembrado e apoiado veementemente pelas igrejas, evitando assim que as praias fossem algo mais que portos de canoas, igarités e barcas a vela... Além do mais as casas da Cidade Velha foram construídas de costa para o rio, com seus trapiches.

Naquela época ainda se usavam muros entorno das cidades: eram a principal defesa usada até então. Evitavam fundar cidades na beira de rios, mares ou oceano, pois era mais fácil sua invasão. Belém foi fundada numa parte alta da orla. Era praticamente uma ilhota, pois além da área que ficava na beira do rio, tínhamos igarapés e alagados em todo seu entorno. Ideal para um forte. Depois a razão da sua fundação era proprio a defesa do rio, e da entrada de naves indesejadas.  

A abertura do Rio Amazonas à navegação internacional acontece apenas no dia  7 de setembro de 1867. Em 1872 o transporte fluvial no Rio Amazonas, foi  praticamente monopolizado por uma firma inglesa (Amazon Steam Navigation Co. Ltd). O perigo tanto discutido antes da abertura do rio se apresentou quando em janeiro de 1874 aportou em Manaus um vapor de longo curso da Amazon que voltou outras vezes até dezembro de 1876. Numa dessas viagens esse vapor levou, de contrabando, as sementes de seringueira... 

A razão da fundação de Belém perdia, praticamente, seu sentido, mas não se sentia ainda as consequencias, poi ninguem sabia ainda de nada. E Belem continuou a crescer de acordo com a cultura da época... e as casas continuaram a ser construidas longe da beira do rio.

Tem gente, hoje, que reclama porque Belém não foi construída em Salinas ou Mosqueiro. Coitados, não sabem que, em Mosqueiro - mesmo se em 1900 já havia gente rica frequentando-a - não  era usado para tomar banho na praia. Com toda a riqueza produzida pela borracha, ninguem entrava n'agua de rio nem para lavar os pés. Isso se desenvolveu paralelamente ao período  em que os banheiros começaram a chegar nas nossas casas, ou seja, depois da Segunda Guerra Mundial.

Com a queda do monopolio da borracha, Belém, parou de crescer e o capital estrangeiro foi-se embora. Até o início de 1940 a orla de Belém ao longo do rio Guamá (Acará, Maguarí!!!), partindo da Praça do Arsenal era quase totalmente desabitada e ainda coberta por mata virgem. Trapiches, sim existiam, mas portos, bem poucos, ou nenhum como o da hoje chamada Av. Castilhos França, que foi o principal fruto do periodo da borracha. 

A Av. Tamandaré era um lamaçal e uma das poucas ruas que chegavam até a beira do rio, além da trav. Padre Eutiquio  ( a ex-S. Mateus), era a atual Av. Alcindo Cacela, que ainda era de chão batido, e onde se encontrava a companhia aérea alemã Condor Lufthansa. Tem quem lembre que era costume das famílias levarem os filhos para assistir o por-do-sol e os pousos dos hidroaviões.

Pouco a pouco, a partir da Segunda Guerra Mundial e dos acordos de Washington que estabeleceram o fornecimento de ipecacuanha, aniagem, babaçu, cera de carnaúba, cera de urucuri,  borracha manufaturada, café, cacau, castanha-do-Pará, cristal de rocha, flores de piretro, "linters" de algodão, timbó,  mamona mica, rutilo... para os Estados Unidos, em troca, especialmente, do reequipamento das forças armadas com fornecimento de armas ao Brasil, aumentaram os portos em várias partes da orla de Belém.

Nessa época nasceu o Canal da Estrada Nova, com uma área revestida de concreto, para as bandas do Guamá, que os americanos diziam ter feito para conter a malária que infestava Belém. À boca pequena, em vez, se falava que “aquela vala” era na verdade uma trincheira a ser usada pelos americanos, caso a guerra na África se prolongasse. Os americanos também construiram a Rodovia Artur Bernardes unindo assim a recém construída Base de Val de Cães ao centro da cidade. Chega a Segunda Guerra Mundial e quase no fim dela, o Brasil manda os Pracinhas...

A guerra acabou e a cidade voltou a crescer, devagarzinho.  A SPVEA e, durante a ditadura transformada em SUDAM, tentaram ajudar o crescimento não so de Belém, mas de toda a Amazonia. A área que vai da Praça da Sé até a atual sede da  UFPA começou a ver aumentar o número  de portos de todos os tipos e tamanhos, entremeados com algumas outras atividades que podiam ser clubes de regata, fábrica de guaraná, serrarias, marcenarias, oficinas náuticas e, depois, lojas de materiais que interessavam aos ribeirinhos ..., além do bar da Condor. 

Juta, malva, uacima, peles de jacaré, frutas e outros produtos da agricultura, continuavam a ser a principal causa das nossas exportações... O cacau ja tinha sido proibido em todo Pará quando chegam as agropecuarias na Amazonia ajudadas pelos incentivos fiscais. A ideia de industrializar aqui a nossa materia prima, não vingou e a floresta começou a ser derrubada.

Aquele bar e os clubes náuticos eram os únicos pontos de recreação dos belenenses na orla de Belém. As casas perto de igarapés, para quem não tinha casa em Mosqueiro, aumentaram até que fizeram uma ponte em Salinas e começaram a correr para la as familias que ja tinham automovel a procura de casas perto da praia.

Na tentativa de salvar nossa memoria histórica, uma área de Belém, é tombada, mas isso não conseguiu freiar o desaparecimento de tantos casarões....nem a cobertura com asfalto dos paralelepipedos da Cidade Velha. As calçadas de pedras de liós também foram tombadas, mas esse ato, somente, não as salvava da atenção de quem precisava fazer uma entrada para a garagem.

Silenciosamente,  começaram a aterrar a área atrás do Palacete Pinho, do Porto do Sal até mais pra lá da av. Tamandaré, e locais de diversões noturnas e motéis começaram a aparecer. Como muitos portos não trabalham à noite começaram a usar essas áreas como danceterias ..., e começou o caos.

Já no século XXI, esses locais  noturnos, sem estacionamento para seus clientes começaram a usar praças e calçadas de liós, como tal. Apareceram flanelinhas para endereçar os motoristas rumo a grama das praças, destruindo-as. A poluição sonora no entorno de igrejas tombadas, aumentou e  ninguém tomou providências..., também. O nível da educação desses clientes piorou..., e os governantes nem notaram, ou seja, ignoraram, não tomando nenhuma providência mesmo se, nós, bem que avisássemos.

O carnaval com blocos de mascarados e bandinhas que usavam a Cidade Velha, foram praticamente explusos em 2013, e substituidos com trios elétricos e abadás, que nada tinham a ver com  nosso carnaval tradicional.  Até isso mudava em Belém.

Paralelamente é inaugurado o PORTAL DA AMAZONIA, fora da área tombada. Rápido o seu sucesso. A necessidade de áreas de lazer em Belém, ficou clara; mas, em vez de usar o resto da área em tal sentido, autorizaram um Atacadão na entrada do Portal. Tal construção irregular foi embargada mas, logo foi suspenso pelo próprio Ministério Público que tem como competência inclusive, defender  o meio ambiente e ser o fiscal das leis...

Não satisfeitos com o caos criado no bairro tombado, incluindo a presença  de carretas e trios elétricos a torto e a direito, um espirito de porco resolveu propor fazer um corredor de bares que começaria perto da av. Presidente Vargas, desceria toda a av. Castilhos França, entraria pela Feira do Açaí, subia para a Praça da Sé, e acabava na Praça do Carmo. 

Os clientes desses bares iriam chegar a pé ou de carro? foi a primeira pergunta que fizemos. Iriam continuar a infestar as calçadas de liós com seus veículos? Iriam usar "skates" ou patinete para chegar onde quereriam parar? E a poluição sonora iria ser permitida até na  Casa das 11 Janelas? Não tivemos resposta.

Qual turista ia sentar nesses bares para cheirar fumaça de onibus velho, foi outra pergunta que fizemos. Avendo quarenta ilhas, Belém, em vez de estruturar a floresta para ser visitada por "gente de fora", propunha fazer bares para... nossos beberrões.

Sobrava ainda um bom pedaço de terra de marinha na área do Portal: quem sabe uma área de lazer com serviços para os ribeirinhos, incluindo uma marina para seus po-po-pós. Naquela área seria bem mais útil algo mais para os moradores das ilhas do Município de Belém. Médicos, dentistas, creches, emissão de documentos... Esses serviços seriam convenientes também para os moradores da Cidade Velha, Jurunas, Condor... , além de áreas de lazer, mas não aceitaram nossas porpostas feitas durante a campanha eleitoral, e nem pensaram nisso, depois.

As praças da área tombada da Cidade Velha em 2020, foram revitalizadas, e colocaram balizadores para evitar o abuso dos mal educados, que as usavam como estacionamento. Vimos essa despesa descer pelo ralo do desinteresse politico, e os frequentadores do locais da rua Siqueira Mendes voltarem, em 2022, a estacionar na Praça do Carmo.

Depois das eleições vimos reaparecem projetos apresentados no governo anterior, como o do Mercado de S. Braz, e o corredor de bares, um pouco reduzido e com outro nome. De fato as obras do chamado Boulevard da Gastronomia já começaram... Será que ele vai acabar chegando até a Praça do Carmo? Os clientes dos locais já terão a disposição um estacionamento pronto..., sem um balizador para impedir seu uso.

Imaginem se agora  decidem fazer um calçadão, no meio do rio, paralelo a orla da Cidade Velha, para quem quiser apreciar o por do sol... Ou, quem sabe, modificar a área do Porto do Sal, fazendo restaurantes e locais afins, para...a classe media? Em vez, melhorar os portos para a chegada de navios-cruzeiro, também ninguem pensa.

É, independentemente de quem governa, tem gente que continua de olho aberto na orla "livre" de Belém, preferivelmente sem nem discutir nada com a comunidade. Ideias de jerico, é o que não faltam...gente conivente, cumplices e quem vive ignorando as leis e as necessidades  fundamentais do povo então, nem se fala. Gente que costuma apoiar apenas as situações que lhes oferecem algum tipo de vantagem, sem se importar se haverá benefícios concretos para o resto da coletividade, ou para a defesa do patrimônio, vai aparecer loguinho, com a desculpa de criação de postos de trabalho.

Uma pergunta que não quer calar: os garçons, todos,  vão ter carteira assinada????


PS: GENTE É CONTRA ESSAS MUDANÇAS DA NOSSA MEMÓRIA HISTÓRICA QUE NOS LUTAMOS... E NÃO GANHAMOS NENHUM TOSTÃO POR EXIGIR O RESPEITO DAS LEIS.


2 comentários:

Anônimo disse...

👏👏👏

Anônimo disse...

Muito interessante e oportuno, pra contemplar um momento, onde não mais se dá a devida importância à memória de um povo! Seus feitos, e tufo quanto se possa feitos e tudo, quanto se possa constituir arquivos no futuro!