quarta-feira, 26 de outubro de 2022

PATRIMÔNIO DE BELÉM: ONTEM...

 

Em 2014 fiz um balanço, indignado, do que era Belém nos primeiros anos de luta da CIVVIVA.  A realidade de então não modificou quase nada e imaginamos que isso aconteceu porque,  a “educação patrimonial” que sugerimos, não aconteceu até hoje.

Mudam os partidos que governam a cidade, mas a “cabeça” é sempre a mesma: atenção ao patrimônio, bem pouca e entrosamento com a cidadania, nenhuma. Por  mais que nossa democracia ja tenha superado a maioridade, a defesa/salvaguarda/proteção do nosso patrimônio ainda não foi assimilada como deveria.

Naquele dia a Cidade Velha não foi minha única preocupação, mas aquela parte tombada da cidade que via de dentro do onibus, sim. De fato comecei dizendo que...

Eu ando a pé ou de ônibus, assim olho com mais calma o entorno por onde passo, não tendo que guiar nenhum veiculo. De ônibus, sentando na frente, tenho a possibilidade de ver do alto o que me passa ao lado o que, nem sempre, porém, resulta em imagens gratificantes.

Nos fundos da Igreja das Mercês tem um semáforo que, por coincidência, fecha sempre quando chega o ônibus onde eu estou. Desde a sede da Paratur, porém, pela Boulevard Castilhos França acompanho o rio, la no fundo, quando aparece entre um galpão e outro da Doca. No semáforo, em vez, viro a cabeça a esquerda e só falto chorar de desespero ao ver, ha mais de um mês, o que fizeram com a Igreja das Mercês...do lado de fora. Pinturas e faixas indicam os horários das missas. Chocante.

Acontece que, do lado de la, a frente da igreja também não foi poupada, e o desespero toma conta de mim. Como é possível um negócio desse? Onde estão com a cabeça, para usar os muros de uma igreja pluricentenária desse jeito?

Entro na Igreja e so falto desmaiar: pintaram de vermelho as lajotas do chão, como se fossem de cimento. Um abuso atrás do outro, como é possivel?

Olho estarrecida tudo quanto e faço várias suposições; tento encontrar motivações para tais atos vandálicos (para mim o são). Quem sabe é uma provocação? Não posso acreditar que o responsável seja ignorante ao ponto de fazer tais intervenções na igreja esquecendo sua historia, sua origem. Será que os donos, ou que tem a cura dela, não sabem que é tombada? Ou é para chamar atenção daquele verdadeiro jardim suspenso amazônico que se desenvolveu nos seu telhado, e que, com certeza está abrindo canais de infiltração como aqueles encontrados na recem-restaurada igreja do Carmo?

O pior é que esse não é o único exemplo, infelizmente. Durante estes dias da nossa maior festa, alguem provou olhar a situação da igreja de Nazaré? Viu o estado dos estuques e de toda a decoração? E como é que permitiram todo aquele aparato tecnológico, telas e led por todo lado e altares novos de gosto duvidoso...enquanto a casa está caindo, praticamente?

Lembrando outros atos que ocorreram este ano com o nosso patrimônio histórico, não tombado, aumenta o meu desgosto. Falta algo. Será  um pouco de fiscalização? Ou falta de interesse? Faltará mão de obra nos órgãos que tem a responsabilidade de cuidar dos prédios que representam a nossa memória histórica? Falta dinheiro???

Não vemos resultado das denuncias que foram feitas de estacionamentos que nascem onde tinha alguma casa antiga, e que foi derrubada num fim de semana ou durante o carnaval... Trepidamos pelo que poderá acontecer com o Palacete Bolonha quando concluírem o que estão fazendo no seu entorno. Não vemos diminuir o numero de carretas que trafegam pela área tombada, fazendo assim trepidar prédios públicos e privados. Quem nos garante que a Celpa (1) vai tirar aqueles horrendos medidores de energia que instalou na Cidade Velha? Por outro lado, vemos aumentar, em vez, o numero de casas antigas pintadas com cores fortes que nada tem a ver com nossas lembranças. Enfim....

Lendo as leis, porém, sentimos que os legisladores das tres esferas de governo, tentaram salvar nossa memória, usando palavras claras como: salvaguardar, preservar, conservar, proteger, recuperar, etc., e isso, feito através de "vigilância, tombamento, desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação".

Em nenhuma lei encontramos palavras como "revitalização" ou "embelezamento" pois a idéia principal era salvar a nossa memória, aquela real, não uma inventada, mais bonita ou colorida, como vemos agora acontecer até nas igrejas.

O que está acontecendo em Belém? O que leva a essa situação? Insisto com as perguntas: na opinião de vocês, será falta de vontade? desinteresse pela nossa história? falta de dinheiro? falta de conhecimento das leis? ou de que mais? Enfim, o que deve ser feito para que não desapareça o que sobrou da nossa história?

Todo ano, muitos paraenses vão para a Europa, não somente olhar vitrines, fazer compras ou estudar, mas ver também o "Velho Mundo" com seus palácios, igrejas, praças e quanto mais sobrou de séculos de história. Por que nós não podemos deixar nada para nossos netos e, quem sabe, algum turista, verem? Sabemos que ao turista que vem para cá interessa a nossa floresta e não bebidas da terra deles, tipo cerveja, bebidas na beira de calçadas que, aliás, deveriam ser dos ´pedestres'.

Como vai chegar aos 400 anos de Belém o que sobrou do nosso Patrimônio Histórico se nada for feito, rapidamente?

Belém, 25 de Outubro de 2014 

Dulce Rosa de Bacelar Rocque

(Colaboração e fotos do arquiteto Sérgio Lobato)


(1) Consegimos, depois de muita luta, que a Celpa retirasse aqueles "olhões" da  área tombada da Cidade Velha.


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