Temos um morador novo na Cidade Velha... Está descobrindo aquilo que nós, vivendo aqui há mais tempo, já sabemos. Suas reclamações deveriam ser ouvidas por aqueles que querem comprar casa aqui, para vir morar..., e por algum político sério, disposto a facilitar a mudança dessa realidade.
Não
é que veio de algum lugar de Belém onde não haja barulho
excessivo. Morava prás bandas da
Estrada Nova, onde a poluição sonora não é inferior a do Guamá... Veio para cá
pensando que a proximidade de igrejas tombadas o salvariam da poluição sonora.
Triste
ilusão. Se deita pra dormir na hora (23h) em
que os locais da orla começam suas atividades e uma saraivada de fogos de artifício barulhentos avisa a chegada do
Crocodile... Quando não, são os fogos avisando que alguma moça supostamente rica arranjou marido e essa queima de fogos ocorre justamente em frente a
igreja da Sé ou de Santo Alexandre... Às
três horas da madrugada, novamente se acorda
com o barulho dos...açaizeiros dançarinos lá da rua
Siqueira Mendes, avisando com fogos, que ainda não encerraram suas
atividades...
Enquanto
consertava a casa para vir morar, as
surpresas balançaram seu orçamento. Cupim em todo canto. Cada vez que ia lixar
uma parede para pintar, caía um pedaço.
Quando tentava ajustar uma porta, caía outro
... Até ninho de urubu, encontraram.
A procura de peças de reposição "de época" o fizeram girar, várias vezes a cidade. Perdeu dias e dias visitando lojas e antiquários, para ver se encontrava, desde maçanetas até vidros para as janelas.
A
passagem de propriedade do prédio foi outro martírio, pois tinham três gerações no
meio..., além da pandemia. As respostas dos órgãos públicos eram mais lentas
que se trazidas por uma tartaruga, porém exigiam a execução de trabalhos que
nem esses fazem nos próprios prédios públicos tombados.
Depois
de um ano de consertos vários, entrou na casa antes mesmo de pintá-la, e começam novas experiências...
-Vê a calçada de liós que consertou,
transformada em estacionamento de um caminhão.
- De madrugada é
acordado pela “aparelhagem que está tocando ... e que me acordou por volta de 3
horas. São dois quarteirões de distância.
Depois racham paredes, caem casas, telhas saem do lugar, e a culpa..., e as DESPESAS são apenas
do proprietário.”
- “A sensação de
desamparo, de descaso e desrespeito, com
quem mora aqui é muito grande. A preservação pode
ser linda no papel e nos discursos, mas, e a documentação para transferir a
propriedade? Quem agiliza, facilita a documentação? Herdeiros brigando impedem
até de visitar os imóveis à venda. Porque o
aparato público não faz algo nesse sentido para ajudar
a sanar as regularizações fundiárias”
Quem
mora aqui há tempos já passou por tudo isso e mais um pouco, e muitos acabaram
se acostumando a todo esse desleixo para com a área tombada. A esses agentes externos, temos outros, em
vez, que trabalham caladinhos: cupins e punilhas. Telhados caem a causa de cumeeiras carcomidas por eles; móveis tem que ser queimados porque o que sobrou
parece papel crepon; plantas criam raízes nos telhados e não se consegue dizimá-las...
É,
nós que gostamos de “coisa velha”, nós que viemos para a Cidade Velha com a
intenção de salvaguardá-la, defendê-la, protegê-la,
e nos juntamos aos que não a abandonaram, temos que lutar em diversas frentes
de batalha, e, inclusive, suportar a prepotência de quem chega querendo descaracterizar o que sobrou da nossa memória
histórica coletiva.
Achamos ser necessário e oportuno, enfrentar essa situação com a proposição de um Plano de Valorização do Patrimônio, partindo de uma Estratégia de Reabilitação do Centro Histórico, ou ao menos da Área tombada, que leve em consideração todos os imóveis representantes das várias fases da nossa história, e, não somente, daqueles, poucos, de propriedade pública.
Continuar a dar autorizações, principalmente a bares e restaurantes, sem estacionamento, nem area para conter fora das calçadas os clientes, é um absurdo... Onde encontrar na área tombada da Cidade Velha, o 1,20m de calçadas previsto em lei para uso de pessoas com moblidade reduzida...
Entra governo, sai governo e o declínio da área tombada somente aumenta. A Civviva luta, há anos por um pouco de educação: seja patrimonial, que relativa aos transportes, a poluição, as calçadas, citando leis que permanecem ignoradas... Vemos a proposição de ações ocasionais, desordenadas, e desligadas entre si que não ajudam a melhorar a situação geral. No minimo, um plano decenal deveria enfrentar essa realidade, com projetos para as casas de todas as épocas (financiados), enfrentando todos os problemas, desde o transito/poluição sonora, até a passagem da propriedade dos avós para os netos... e quem sabe, o plano seja fruto de uma concorrência pública a nivel nacional.
Você que quer vir morar aqui, não se iluda, nem tudo são flores, e o silencio é principalmente... de quem nos governa.
3 comentários:
Abordagem honesta e oportuna da situação, com ideias que deveriam ser acatadas pelas instituições públicas, não fossem, às vezes, outros interesses (menos nobres) que motivam seus gestores.
Verdade em cada palavra.
Realmente! SILÊNCIO só das autoridades e órgãos públicos responsáveis pela (mal feita e mal vista) fiscalização da preservação do patrimônio pois a responsabilidade, as contas e as noites mal dormidas são todas dos moradores, SÓ DOS MORADORES.
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