terça-feira, 8 de março de 2022

QUEM QUER VIR MORAR NA CIDADE VELHA?


Temos um morador novo na Cidade Velha... Está descobrindo aquilo que nós, vivendo aqui há mais tempo, já sabemos. Suas reclamações deveriam ser ouvidas por aqueles que querem comprar casa aqui, para vir morar..., e por algum político sério, disposto a facilitar a mudança dessa realidade.

Não é que veio de algum lugar de Belém onde não haja barulho excessivo. Morava prás bandas da Estrada Nova, onde a poluição sonora não é inferior a do Guamá... Veio para cá pensando que a proximidade de igrejas tombadas o salvariam da poluição sonora.

Triste ilusão. Se deita pra dormir na hora (23h) em  que os locais da orla começam suas atividades e uma saraivada de fogos de artifício barulhentos avisa a chegada do Crocodile... Quando não, são os fogos avisando que alguma moça supostamente rica arranjou marido e essa queima de fogos ocorre justamente em frente a igreja da Sé ou de Santo Alexandre... Às três horas da madrugada, novamente se acorda com o barulho dos...açaizeiros dançarinos lá da rua Siqueira Mendes, avisando com fogos, que ainda não encerraram suas atividades...

Enquanto consertava a casa para vir morar, as surpresas balançaram seu orçamento. Cupim em todo canto. Cada vez que ia lixar uma parede para pintar, caía um pedaço. Quando tentava ajustar uma porta, caía outro ... Até ninho de urubu, encontraram.

A procura de peças de reposição "de época" o fizeram girar, várias vezes a cidade. Perdeu dias e dias  visitando  lojas e antiquários, para ver se encontrava, desde maçanetas até vidros para as janelas.

A passagem de propriedade do prédio foi outro martírio, pois tinham três gerações no meio..., além da pandemia. As respostas dos órgãos públicos eram mais lentas que se trazidas por uma tartaruga, porém exigiam a execução de trabalhos que nem esses fazem nos próprios prédios públicos tombados.

Depois de um ano de consertos vários, entrou na casa antes mesmo de pintá-la, e começam novas experiências...

-Vê a calçada de liós que consertou, transformada em estacionamento de um caminhão.

- De madrugada é acordado pela “aparelhagem que está tocando ... e que me acordou por volta de 3 horas. São dois quarteirões de distância. Depois racham paredes, caem casas, telhas saem do lugar, e a culpa..., e as DESPESAS são apenas do proprietário.”

- “A sensação de desamparo, de descaso e desrespeito, com quem mora aqui é muito grande. A preservação pode ser linda no papel e nos discursos, mas, e a documentação para transferir a propriedade? Quem agiliza, facilita a documentação? Herdeiros brigando impedem até de visitar os imóveis à venda. Porque o aparato público não faz algo nesse sentido para ajudar a sanar as regularizações fundiárias”

Quem mora aqui há tempos já passou por tudo isso e mais um pouco, e muitos acabaram se acostumando a todo esse desleixo para com a área tombada.  A esses agentes externos, temos outros, em vez, que trabalham caladinhos: cupins e punilhas. Telhados caem a causa de cumeeiras carcomidas por eles; móveis tem que ser queimados porque o que sobrou parece papel crepon; plantas criam raízes nos telhados e não se consegue dizimá-las...

É, nós que gostamos de “coisa velha”, nós que viemos para a Cidade Velha com a intenção de salvaguardá-la, defendê-la, protegê-la, e nos juntamos aos que não a abandonaram, temos que lutar em diversas frentes de batalha, e, inclusive, suportar a prepotência de quem chega querendo descaracterizar o que sobrou da nossa memória histórica coletiva.

Achamos ser necessário e oportuno, enfrentar essa situação com a proposição de um Plano de Valorização do Patrimônio, partindo de uma Estratégia de Reabilitação do Centro Histórico, ou ao menos da Área tombada, que leve em consideração todos os imóveis representantes das várias  fases da nossa história, e, não somente, daqueles, poucos, de propriedade pública

Continuar a dar autorizações, principalmente a bares e restaurantes, sem estacionamento, nem area para conter fora das calçadas os clientes, é um absurdo... Onde encontrar na área tombada da Cidade Velha, o 1,20m de calçadas previsto em lei para uso de pessoas com moblidade reduzida...

Entra governo, sai governo e o declínio da área tombada somente aumenta. A Civviva luta, há anos por um pouco de educação: seja patrimonial, que relativa aos transportes, a poluição, as calçadas, citando leis que permanecem ignoradas... Vemos a proposição de ações ocasionais, desordenadas, e desligadas entre si que não ajudam a melhorar a situação geral. No minimo, um plano decenal deveria enfrentar essa realidade, com projetos para as casas de todas as épocas (financiados), enfrentando todos os problemas, desde o transito/poluição sonora, até a passagem da propriedade dos avós para os netos... e quem sabe, o plano seja fruto de uma concorrência pública a nivel nacional.

Você que quer vir morar aqui, não se iluda, nem tudo são flores, e o silencio é principalmente... de quem nos governa.


3 comentários:

Pedro Paulo dos Santos disse...

Abordagem honesta e oportuna da situação, com ideias que deveriam ser acatadas pelas instituições públicas, não fossem, às vezes, outros interesses (menos nobres) que motivam seus gestores.

LPPP disse...

Verdade em cada palavra.

Unknown disse...

Realmente! SILÊNCIO só das autoridades e órgãos públicos responsáveis pela (mal feita e mal vista) fiscalização da preservação do patrimônio pois a responsabilidade, as contas e as noites mal dormidas são todas dos moradores, SÓ DOS MORADORES.