sexta-feira, 10 de setembro de 2021

CALÇADAS: DE NOVO

 

Mais uma opinião sobre calçadas...

SOBRE O DIREITO DE USUFRUTO UNIVERSAL DOS ESPAÇOS PÚBLICOS.
de PEDRO PAULO SANTOS
O telejornal JL2 da TV Liberal do dia 02.09.2021 exibiu uma matéria sob título “Pedestres enfrentam dificuldades com calçadas problemáticas de Belém” (https://g1.globo.com/.../videos-jornal-liberal-2-edicao...).

Preliminarmente, todos sabemos que o tema é bastante complexo e controverso, pelas múltiplas formas de ocupação irregular dos espaços públicos, pela quantidade dos atores envolvidos, por suas muitas implicações, e por ocorrer há muitas décadas.

Em 22.04.2021, o prefeito encaminhou à Câmara Municipal de Belém a Mensagem nº 4/2021, propondo alteração no art. 30 da Lei Municipal nº 7.055, de 30.12.1977, para que seja permitido o uso das calçadas da cidade como “terrace” por bares, panificadoras, lanchonetes, e restaurantes, aludindo a uma tradição dessa prática há décadas, ainda que pela atual redação da mencionada lei, seja ilegal.

Os costumes sociais são muito dinâmicos ao longo do tempo, e de certa forma, ainda que com limites, o regramento legal deve acompanhar esse dinamismo. Em muitas cidades do mundo são permitidas a alocação de mesas e cadeiras em calçadas, porém, sempre com muita disciplina, e com a garantia do livre e facilitado trânsito de pedestres, e implicando no pagamento de elevadas taxas à municipalidade. Então, no caso de Belém, poderia ser cabível uma alteração, desde que o uso seja liberado mediante a cobrança de uma taxa de ocupação do espaço público, calculada proporcionalmente à área ocupada e aos horários do dia; e que a ocupação não obstrua, bloqueie, ou dificulte o livre trânsito de pedestres, em especial de deficientes físicos; assim como o acesso de veículos, e nem prejudique a visibilidade de motoristas, motociclistas, e ciclistas, na confluência de vias e outras circunstâncias. Em caso de ser efetivada essa alteração, deveria ser tal que garantisse nas calçadas e passeios a existência de uma faixa contínua mínima de 1,50m para uso exclusivo de pedestres. Em calçadas em que não seja possível a existência dessa referida faixa para pedestres, seria vedado o uso como “terrace”.

Cabe lembrar que a liberdade de mobilidade e acessibilidade, e o usufruto lícito e harmonioso dos espaços públicos é direito de todos, conforme está assegurado em toda a legislação pertinente. E assim, nenhum segmento da sociedade deve ter o privilégio exclusivo desse direito, ou ser dele excluído. Esses direitos (e deveres) estão consignados, entre outros, nos seguintes normativos:
- Constituição da República Federativa do Brasil, art. 3º-IV; art. 5°-XV; art. 227 §1º II e §2º; e art. 244;
- Lei Federal nº 9.503, de 23.09.1997: art. 1º §1º e §2º; art. 26 I e II; art. 29 V; art. 68; art. 69;
- Lei Federal nº 10.098, de 19.12.2000: art. 3º; art. 4º; e art. 5º;
- Lei Federal nº 13.146, de 6.07.2015: art. 8º; art. 46; art. 53; art. 54; art. 55; e art. 59;
- Constituição do Estado do Pará: art. 236 III, §10º; art. 238 I “f”;
- Lei Municipal nº 7.055, de 30.12.1977: art. 2º; art. 9º; art. 15; art. 16; art. 18; art. 19; art. 21; art. 23; art. 24; art. 29; art. 30; art. 104; e art. 113;
- Lei Municipal nº 7.275, de 20.12.1984;
- Decreto nº 26.578, de 14.04.1994: art. 8º; art. 9º; art. 15; art. 23; art. 24; art. 25; art. 30; e 31;
- Lei Municipal nº 7.862 de 30.12.1997: art. 8º; art. 10º; art. 18; art. 19; art. 20; art. 21; art. 22; art. 27; art. 28; art. 40; e 48;
- Lei Municipal nº 8.068, de 28.05.2001: art. 1º; art. 3º; art. 4º; art. 5º; art. 10º; e art. 19;
- Recomendação nº 001/16 – MPPA, de 11.02.2016.

No Centro Histórico, principalmente na parte tombada que tem vias carroçáveis estreitas, muitos cidadãos transformaram suas também estreitas calçadas em rampas de acesso a garagens, e outros sobrepuseram camadas de alvenaria sobre o calçamento original em pedras de lioz (procedimento ilegal por serem tombadas desde 02.07.1982 pela Secretaria de Estado de Cultura). Na área existem várias entidades públicas e de estabelecimentos de comércio em geral e de entretenimento, e especialmente nos horários de funcionamento desses locais, ocorre um incremento no uso das calçadas para estacionamento ilegal de veículos automotores. Na Praça do Relógio já foram furtados todos os pilaretes instalados pela prefeitura para coibir os usos irregulares das calçadas, e na Praça do Carmo quase todos já foram subtraídos. O procedimento de estacionamento ilegal sobre calçadas e passeios ocorre, porém, nos mais variados bairros e distritos de Belém.

A forma como as calçadas tem sido construídas ou modificadas, não são os únicos empecilhos para o livre exercício dos direitos de mobilidade e acessibilidade por todos. Muitos espaços públicos frequentemente têm sido ocupados e apropriados de modo irregular, ilegal, e abusivo por pessoas físicas e jurídicas, que os usam no estrito atendimento de seus interesses privados. Em muitas vias de uso comercial de vários bairros e distritos, notadamente no bairro da Campina, é fácil observar a disposição de tabuleiros, expositores, e outros elementos físicos sobre as calçadas em frente a estabelecimentos do comércio formal. Muitas lojas que prestam serviços automotivos recorrentemente ocupam as calçadas com os automóveis dos seus clientes. Vendedores ambulantes também costumam expor seus produtos sobre as calçadas. Ademais, muitas barracas do comércio informal instaladas desordenadamente e ilegalmente sobre os leitos carroçáveis ou calçadas, dificultam ou impedem o livre trânsito de pedestres, principalmente as pessoas com mobilidade reduzida. É hábito corriqueiro de grande parte da população depositar todo tipo de resíduos sólidos, como materiais de construção, e entulhos variados sobre calçadas.
Há situações até de uso indevido de calçadas por entidades públicas, como é o caso de uma unidade da Polícia Militar na esquina da av. Cipriano Santos com rua Francisco Monteiro.

Atualmente, a legislação determina que é de responsabilidade dos proprietários de imóveis a construção e a conservação das calçadas correspondentes aos limites de seu patrimônio, desde que o logradouro seja pavimentado, conforme o que estabelece a Lei Municipal nº 7.787, de 15.05.1996. Essa situação torna muito difícil, talvez impossível, o efetivo controle e fiscalização pelo poder público, considerando a quantidade de calçadas construídas, em construção, e em alterações constantes, por toda a extensão da cidade. Não seria o momento de discutir a necessidade de uma alteração no normativo que atribuísse à prefeitura a responsabilidade pelo planejamento, construção, e reparos de calçadas e passeios da cidade; ainda que mediante um proporcional reajuste no cálculo do IPTU?

A defensora pública federal Luíza Cavalcanti Bezerra é a autora de um artigo sob o título “A natureza jurídica das calçadas urbanas e a responsabilidade primária dos Municípios quanto à sua feitura, manutenção e adaptação para fins de acessibilidade” (https://jus.com.br/.../a-natureza-juridica-das-calcadas...), no qual defende que as calçadas sejam de responsabilidade do município, considerando entre outros argumentos, que seriam bens públicos municipais.

Em vista de todas essas informações, como avaliar a oportunidade, a conveniência, e até que ponto seria justo a prefeitura investir alguns milhões de recursos públicos em um projeto de intervenção urbanística na av. Marechal Hermes (incluindo um calçadão), que tem a expectativa de gerar lucros a alguns empresários na utilização do espaço público melhorado, no exercício de suas atividades comerciais? Ao passo que milhares de proprietários de imóveis têm que arcar com as despesas pela construção e manutenção de suas calçadas. Não se trata de condenar o mencionado projeto de intervenção, mas de levantar a possibilidade de que seja melhor discutido com os vários segmentos da sociedade interessados no tema, e que seja minimizado o uso de recursos públicos nessa obra.

No momento, parece plenamente justa, compreensível e louvável a preocupação do poder público em fomentar o exercício das atividades dos comerciantes formais e informais. Afinal, a crise econômica e social e sanitária que ora atinge nosso Brasil, em consequência da forma como têm sido conduzidas a economia e o combate a pandemia mundial de Covid-19 pelo atual governo federal; agravou muitíssimo o nível de desemprego e de miséria, e a inflação, o que levou muitos brasileiros a buscar formas alternativas de gerar renda para a sua subsistência. Entretanto, há que lembrar da necessidade de que as decisões governamentais estejam amparadas na legislação vigente, e busquem um equilíbrio no exercício de todas as atividades humanas e do interesse coletivo, sem privilegiar nenhum segmento. Isso deve ser procedido de modo a manter um nível adequado de convivência social harmônica.

A orientação progressista da atual gestão municipal, e a tradicional conduta de atendimento às variadas demandas da sociedade, principalmente das classes populares - já demonstrada nas gestões anteriores do atual prefeito - traz a expectativa e a esperança de que sejam sopesados todos esses questionamentos, entre outros fatores relevantes, nas decisões governamentais quanto à intervenções mencionadas, outras que certamente virão, e em todas ações governamentais futuras.

 

Um comentário:

José Ramos disse...

As calçadas sao diversas e os problemas múltiplos. Talvez o passo inicial seja o da mudança da lei, pois a calçada faz parte da rua e não do lote. Só assim poder-se-ia ter uma política clara e executável de melhoria das calçadas, com base em princípios e procedimentos funcionais, onde os direitos da população e do dono do lote fossem regrados e protegidos. Ha exemplos de leis das calçadas, como a da cidade de São Paulo, que poderiam servir de modelo para muitos aspectos também pertinentes à Belém. O problema é dar o primeiro passo, sempre muito difícil, devido s baixa qualidade dos Vereadores, que pecam pela falta de conhecimento técnico, falta de vontade para apreender e devido aos seus compromissos com interesses alheios aos da população em geral.