terça-feira, 14 de setembro de 2021

JUVENTUDE RAMPANTE

  

RAMPANTE: “em heráldica, diz-se de uma figura de quadrúpede empinado, apoiado só nas patas traseiras, com a cabeça voltada para o lado direito do escudo.”

Você pode escolher de estar atrás de uma escrivaninha tendo em frente uma estante de livros, ou em frente a um fogão tendo ao lado um tripé cheio de panelas. Dignas opções todas duas, mas somente uma delas, com certeza vai render mais, economicamente.

O escudo de ambas tem ‘cifrões’.... O apoio, em vez, pode ser intelectual ou político, ou seja, todo teu, ou externo. E isso  está acontecendo.

Vemos nos últimos anos o desembestar de uma nova categoria de trabalhadores: chefs de cozinha.... não mais só cozinheirAs. Até os canais televisivos se encheram de chefs ensinando a cozinhar, e de programas confrontando os que já sabiam. Uma forma de ajudar, e tirar do marasmo, uma categoria considerada subalterna: das cozinheiras.

Paralelamente, quem optou pela cultura, se arrastava, com dificuldade, para encontrar um lugar ao sol....seja como professor que como cantor ou tocador de algum instrumento.

Nessa luta por um porvir, as calçadas das ruas se encheram de todos dois. Timidamente, anos atrás, os músicos começaram a usá-las para sobreviver... Concorriam com as tacacazeiras  por um espaço ao sol.  Chegaram os vendedores de cachorro quente, e depois os churrasquinhos “de gato”... E o violeiro começou a desaparecer.

Os bares, onde gente de bem não entrava, começaram a mudar de aspecto,.... e as calçadas começaram a ser ocupadas, apoiadas, em Belém, com a modificação do Código de Postura, que dizia que eram “para pedestres”. Com um decreto, nulo, modificaram uma lei e criaram os “terraces” de bar, restaurantes e afins...  Nenhum doutor em lei notou esse abuso.

Começavam as ajudinhas políticas a quem sobrevivia com “comida”... E nascem os concursos de ‘comida de boteco’.  Os quibes e empadas mudam de aspecto e as calçadas, novamente, também. Nem era mais preciso usar mesas e cadeiras. Os clientes se amontoavam, em pé, impedindo até a passagem de veículos. Entre a Conselheiro Furtado e a sede da OAB/igreja da Trindade, passando pela praça chamada Ferro de Engomar, onde se encontram ao menos tres "hospitas", a situação, inclusive de poluição sonora, era inacreditavel.

Não se tratava de uma campanha de defesa da cultura alimentar amazônica, nem da origem dos produtos usados, nem um novo segmento cultural ecológico sendo reconhecido. O modo de produção da matéria prima usada na confecção dessas comidas novas, não eram levadas em consideração. A ancestralidade não era motivo de atenção, mas de modificação, sim. Uma juventude rampante tomava espaço pelas ruas, com apoio de políticos e até de funcionários públicos QUE NÃO APLICAVAM AS LEIS EM VIGOR.

E foram crescendo, paralelamente a uma luta por algo diferente, feita por aqueles que se  preocupavam, em vez de defender a sabedoria dos nossos antepassados ... sem  incentivar grilagens e agrotóxicos.

Aquela parte da juventude que optou por aprofundar seus estudos não conseguiu nem o lugar que o concurso, ganho, lhes dava direito. Algo acontecia depois das eleições, pois alguns conseguiam um...lugar ao sol. Muitos, já com títulos de Master ou PHD caminhavam, empertigados e com o nariz em pé, com seus títulos embaixo do braço... E sem emprego fixo.

O número de master chef, nas tvs e nos bares aumentou a tal ponto que algumas crianças começaram até a não querer mais ser jogador de futebol... Viam as mães modificando as receitas tradicionais, enfeitando com camarão os pratos de maniçoba... E os papos que assim ‘aumentavam as vendas’ eram levados em consideração ...

Os intelectuais continuavam a fazer concursos e esperar serem chamados... sentados nesses bares de moda, que ocupavam as calçadas, até que, alguns, começaram a cantar e tocar para os amigos. Era difícil sobreviver trabalhando todo orgulhoso numa orquestra para ganhar 2.000 reais, ou 100, encarapitado lá na Estação das Docas...

A concorrência de bares e calçadas aumentava, assim como as algazarras que tais clientes faziam. O nível da convivência civil caiu, aliás, precipitou...e as forças de segurança demonstraram não ter forças para debelar tais abusos, que eram seguidos, inclusive pelo aumento da poluição sonora.

O ”turismo” gastronômico começa a ser motivo de interesse geral... no papel principalmente. Teorias de vários tipos iludiam a massa, sobre o aumento de visitantes a Belém, com esse fim... comer maniçoba na calçada bebendo cervejas de marcas novas.

No organograma da cidade, com a desculpa do aumento do turismo, várias associações de representantes desses fazedores de comida nova, nasceram, ... e começaram a entrar até em Conselhos, onde nem tocador de carimbó, titulado, havia conseguido acesso. A defesa do patrimônio historico não estava em nenhuma pauta.

Não aumentaram escolas nem bibliotecas, mas calçadões para mesas de bar e carroças modernas para vender cerveja, sim. Modificações de leis para ajudar essa categoria, continuaram a serem apresentadas... enquanto professores titulados, aguardavam emprego fixo. Palavras como Cultura alimentar, Soberania alimentar, Agroecologia, continuaram a não fazer parte dessas ações, apesar das insistências daquela pequena parte desse setor que continuava tentando conscientizar a população sobre os caminhos que os alimentos percorrem até chegar à mesa. 

A juventude rampante, aquela audaciosa, que vive de vender cerveja com salgadinhos  de pato no tucupi, virou moda, e consegue fazer o que bem entende, inclusive em tempos de COVID, sem que seus clientes, até os políticos, vejam os abusos que combinam. 

Incentivar turismo de calçada e mesmo em áreas fechadas, ignorando a situação do nosso patrimônio histórico, é uma triste opção. Usar a venda de comida exótica em calçadões, como sinal de incentivo ao turismo, desviando a atenção da situação delas na área tombada é até vergohoso... enquanto professores de geografia ou história continuam a acompanhar futuros intelectuais pelas calçadas, quebradas, da Cidade Velha. ´

Gente, o turismo religioso dura quantos dias? Das 39 ilhas de Belém, quantas são utilizadas para turismo além das 3 tradicionais? Quantas tem ao menos uma pousada ou lugar para mochileiros?

Esses "rampantes" tem que aprender a sair do sólito papo furado. Devem defender nosso meio ambiente e apresenta-lo ao mundo, juntamente com nosso patrimônio histórico...  sem, obrigatoriamente,  usar calçadões e cerveja.


"Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”, mas esse aí, está se desenvolvendo cada vez mais, e com muitos apoios, mas sem algum respeito pelas leis, pelo patrimônio...e, quem sabe, até pela saúde do cidadão.


Um comentário:

Pedro Paulo dos Santos disse...

A despeito do dinamismo das manifestações culturais, precisamos reconhecer e zelar pela autenticidade de nossos costumes regionais tradicionais.