quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

ATACADÃO: OPINIÃO DE UM CIDADÃO

Recebemos do Vice-Presidente da Civviva, o turismólogo, arquiteto e urbanista Pedro Paulo dos Santos, os “Comentários sobre o documento Promoção de Arquivamento do MPPA, ref. ao IC n° 000030-113/2013", do empreendimento Atacadão.

Por achar neste momento interessante e uteis tais comentários, o reproduzimos abaixo:

A partir da imoral proposta de TAC para consolidar todos os abusos e ilegalidades cometidos pelo empreendimento ATACADÃO, apresento alguns comentários pertinentes.

Foi instaurado Inquérito Civil n° 00030-113/2013, na 2a. Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação, e Urbanismo; supostamente para apurar a construção irregular e ilegal do Atacadão no Portal da Amazônia. Ratificando toda a situação de infração de várias leis, foi exarado um despacho em 11.12.2020, promovendo o arquivamento do procedimento. Vale ressaltar a situação de gritante ilegalidade, porquanto, foram desobedecidos diversos normativos vigentes, a saber:

- Constituição da República Federativa do Brasil, art. 216, V, § 1°;

- Lei Orgânica do Município de Belem, art. 38, IV; art. 116, VI;

- para conseguir uma solução justa, legal e racional para o conflito, todas as partes prejudicadas, como a comunidade do local e a sociedade civil em geral teriam que ser ouvidas; mas, isso não aconteceu, em desobediência ao que determina a Lei Federal n° 10.257/2001, art. 2°, inciso II; e a Lei Orgânica do Município de Belém (de 30.03.1990), art. 108, II; art. 116, VII; art. 136, parágrafo único; art. 228, §1°;

- No parágrafo da pág. 7 do ato em questão, que transcreve o final da análise técnica n° 561/2020 do GATI, discordo das conclusões da tal análise, lembrando que, sendo a FUMBEL "responsável pelo fomento e disseminação ... e do patrimônio histórico dentro da capital paraense", JAMAIS poderá admitir a flexibilização do gabarito de qualquer empreendimento, como a que ora concede para o caso ilegal do Atacadão, nem aceitar quaisquer arranjos que supostamente melhorariam "o aspecto paisagístico exigido na zona de orla", pois, é inegável que a volumetria da edificação compromete sim, de forma intensamente negativa a ambiência, a legibilidade, a visibilidade, e a preservação do Centro Histórico de Belém;

- Ainda na pág. 7, no parágrafo assim iniciado "Neste ponto é importante destacar alguns aspectos técnicos que levaram o setor de engenharia...", devo ressaltar que o caso em tela deveria ser analisado por arquitetos e urbanistas, e não por engenheiros, os quais não têm formação adequada para analisar aspectos relacionados a patrimônio histórico, cultural e artístico, o que, talvez, tenha gerado aparentemente uma sequência de equívocos e inconsistências na análise desse caso;

 - No parágrafo que começa na pág. 10 e continua na pág. 11 e que se inicia assim "Ademais, sobre o gabarito do empreendimento Atacadão...", o documento afirma equivocadamente que a principal finalidade da Lei n° 7.709/1994 seria "conter o adensamento populacional", quando na verdade, a principal finalidade da lei é a "proteção e preservação do patrimônio histórico, artístico, ambiental e cultural do município de Belém...". E portanto, a lei tem que impedir sim a instalação de empreendimentos que interfiram negativamente ou agridam uma paisagem urbana onde predominam edificações dotadas de valores históricos, ou de características estilísticas diversas daquela que se pretenda inserir;

 - No parágrafo que inicia na pág. 11 e continua na pág. 12, e que começa assim "2) No entorno imediato à obra...", a existência de outras edificações já consolidadas, com gabarito "equivalente ou até maior que o Atacadão", não justifica em nenhuma hipótese a tolerância à inserção de outro empreendimento com gabarito acima do permitido em lei. Outro equívoco: diferente do que afirma o documento, naquela área a lei não permite gabarito acima de 7m para edificações do tipo de uso do Atacadão, e esse uso tem absoluta relevância pelo grande impacto que, caso implantado, geraria na infraestrutura urbana devido o intenso fluxo de veículos automotores, inclusive de grande porte. Contrariando o que afirma o documento, a foto da pág. 12 evidencia incontestavelmente que, não apenas as fachadas, mas, toda a volumetria do Atacadão se destaca desarmoniosamente e agride a paisagem local, independente da cor das superfícies;

- No parágrafo da pág. 13, que começa com os termos "A convicção do GATI acerca do gabarito...", decorre de uma percepção errada da situação, uma vez que o limite do entorno do Centro Histórico não é a av. Almirante Tamandaré, mas, a rua Cesário Alvim, o que indica que o empreendimento está inserido no polígono do entorno do Centro Histórico, conforme Anexos II e VI da Lei 7.709/1994. Portanto, o gabarito ilegalmente extrapolado causa significativo impacto negativo à ambiência do Centro Histórico e seu entorno;

- Na pág. 14, diferente do que menciona o documento, a extrapolação do gabarito pelo Atacadão é uma ilegalidade que nunca pode ser tolerada, e assim, no presente caso, deve inviabilizar o empreendimento. Por outro lado, não fica esclarecido se foi cumprida a exigência do índice de permeabilidade. Cabe salientar que não é possível uma solução das pendências de mobilidade urbana, uma vez que as operações de carga e descarga implicariam, necessariamente, no trânsito de veículos automotores de grande porte, que causariam progressivos danos na estrutura e nos revestimentos de edificações antigas localizadas em algumas das vias de acesso ao Atacadão, e também na infraestrutura urbana. A impossibilidade de solução desses problemas, portanto, deve inviabilizar o empreendimento, como bem menciona o próprio documento ("... caso não fossem cumpridos, teriam impactos negativos, que poderiam inviabilizar a implantação do empreendimento...");

- No parágrafo iniciado na pág. 14 e continuado na pág. 15, com a redação começando "Citando um artigo publicado pelo Ministério Público de Goiás...", pergunto, o que leva a crer que o referido artigo deva ser tomado como um parâmetro rígido a ser seguido em todos os casos em que seja avaliada a necessidade de convocação de audiência pública?

- Na pág. 17, o parágrado que se inicia "Considerando que o empreendimento está implantado...", o documento reconhece que as "obras foram executadas em desacordo com o projeto...", parece muito incoerente que essa instituição pública firme um TAC consolidando uma situação de flagrante e evidente ILEGALIDADE, o que contrariaria sua incumbência, porquanto, segundo o art. 127 da Constituição da República Federativa do Brasil, e o art. 178 da Constituição do Estado do Pará, cabe ao Ministério Público "a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis..."; a instituição é a "grande fiscal do cumprimento das leis...";

- Na pág. 18, no parágrafo que assim começa "Considerando a análise dos aspectos técnicos...", a despeito da equivocada constatação mencionada no documento, a extrapolação do limite de gabarito previsto legalmente para aquela área, configura significativo e inaceitável impacto negativo na ambiência;

- Ainda na pág. 18, é subjetiva e inconsistente a afirmativa de que "a demolição do empreendimento proporcionaria mais danos do que benefícios", uma vez que não foi apresentado um estudo especificando os custos e ganhos de cada uma das opções. Quanto às "expectativas de geração de emprego e renda", e a demanda de consumo da população, poderiam ser alcançadas tendo o empreendimento sido instalado em outra área próxima, mas, permitida pela legislação urbanística. Nossa sociedade não pode mais tolerar a consolidação de uma situação ILEGAL, baseada no argumento de que gerará empregos e renda. É um precedente perigoso e ameaçador para a sociedade;

Ademais, a situação proposta pelo TAC favorece apenas os empreendedores, visto que, se de fato consolidado o negócio, aufeririam lucros advindos de uma atividade exercida em edificação instalada em total desobediência à legislação urbanística, o que contraria a incumbência do MPPA de "defesa da ordem jurídica".

Então, não se pode descartar a demolição total da edificação, que seria a melhor alternativa para essa situação ilegal e abusiva.

- Na pág. 21, não parece uma decisão racional e justa, liberar a continuidade da construção desse empreendimento, com pendências e inconsistências identificadas no próprio documento do MPPA. Ademais, diferente do que afirma o documento, o fato da edificação ter sido erguida com o gabarito muito acima do limite permitido (quase o dobro), indubitavelmente contraria as finalidades urbanísticas e vulnerabiliza a proteção outorgada pela lei 7.709/1994.

Belém (PA), 22.12 2020.

Pedro Paulo dos Santos

Turismólogo, arquiteto e urbanista.

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Entre os cidadãos comuns, também tem aqueles em condições de opinar a respeito dos problemas da cidade... como determinam as leis.


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