É triste verificar a quantidade de leis, projetos e estudos, feitos com a “intenção” de revitalizar o Centro Histórico de Belém e vê-lo continuar do mesmo jeito, aliás, vê-lo degradar dia a dia. O pior é que, à medida que se acentuam as discrepâncias entre potencialidade de uma área e sua situação de degrado, a recuperação física, econômica e social de tal área, se torna cada vez mais urgente e dispendiosa, consequentemente, em Belém, muito mais difícil.
É o que está acontecendo na Cidade Velha. Tem razão, portanto, o jornalista Oswaldo Coimbra ao dizer “Ninguém se iluda com a nova Sé. O Centro Histórico está se acabando“
(DIÁRIO DO PARÁ DIA 5/9/09)
Uma ilusão já tinha sido criada quando recuperaram a Igreja de Sto. Alexandre e o seu entorno foi inaugurado: davam a entender que isso iria induzir a revitalização do bairro. Mas não foi o que aconteceu, pois continuamos até hoje a ver abrirem ou autorizarem atividades que induzem, na verdade, mais a destruição do que a revitalização. Depois, continuamos a ver, também:
- os trabalhos de recuperação do Palacete Pinho, parados. Plantinhas já nascem no seu telhado demonstrando o fim que levaram as verbas gastas para mantê-lo incompleto e abandonado;
- tapumes cobrirem aquele belo sobrado de azulejos onde não funciona o Instituto Histórico e Geográfico Quanto foi gasto pra tirarem os matinhos do telhado, reformarem o forro e as esquadrias, trocarem as instalações elétricas, e pouco mais, do Solar do Barão de Guajará? Ele continua inutilizado. Em que condições estão seus tesouros como quadros, móveis de mogno que pertenceram ao Barão, os documentos raros e os livros que relatam a mais fiel história do Pará? Quando o reabrirem, quem sabe o que terá sobrado do seu acervo com esse nosso clima...
- o abandonado Mercado do Sal, que, alíás, muita gente daqui nem sabe que existe uma estrutura com esse nome, imaginem se sabem como está e para que serve, atualmente!
Muito mais do que isso o Prof. Oswaldo Coimbra lembrou no seu artigo. Mas, os moradores o que podem fazer? Somos obrigados a pagar o IPTU mas qual o modo para defender da “destruição” o nosso patrimônio, público ou particular que seja? Os 49 proprietários de casas na Cidade Velha que acreditaram nas vantagens do Programa Monumenta: continuam esperando, a distância de mais de um ano, que as verbas cheguem ao seu destino para poderem “revitalizar” suas casas... e depois as verem pichadas.
De um lado a lei protege o nosso Patrimônio, do outro, e abusivamente, quem deve salvaguardar as normas, autoriza o que não deve, ou fecha os olhos para os abusos. . Assim sendo, o mau dimensionamento de eventos acaba levando, principalmente, a degradação dos espaços usados e do seu entorno. Será que somente nós vemos esse uso (e abuso) indiscriminado de áreas no Centro Histórico para as quais as leis prevêem a preservação? È coerente isso?
É, "a qualidade da cidade depende da qualidade dos cidadãos”. Não sabemos quem disse isso, mas achamos válido julgar os cidadãos através de como tratam sua cidade. Incongruências, incoerências, falta de educação, e outros absurdos vemos continuamente seja da parte do cidadão que da parte de órgãos públicos. Os resultados parecem demonstrar não existir muita comunicação entre as Secretarias e, consequentemente, não existir uma programação coletiva. De fato, quando a administração pública autoriza o uso de um local público para qualquer manifestação, deveria, a priori, verificar a compatibilidade do espaço com o uso a ser feito; exigir o respeito das normas em vigor seja em relação a poluição sonora, seja relativamente a venda de bebidas e comidas (L.M.7862); prever a fiscalização da idade dos freqüentadores; estabelecer horário (coerente) para encerramento do evento e também para a limpeza da área pública usada. Mas em quantas ocasiões assim é feito?
É necessário conhecer os bairros, a nossa realidade. A estrutura da Cidade Velha, por exemplo, não comporta eventos de grandes proporções, assim como não comporta enormes locais noturnos. Suas ruas estreitas e o que restou das calçadas de liós se transformam, regularmente, em estacionamento, além dos ambulantes que chegam de todas as partes e ocupam o leito da estrada. Flanelinhas abusivos comparecem para ajudar a aumentar o caos. Mesmo com banheiros químicos, são as paredes e portas das casas que são usados... e o cheiro fica para os moradores. Carros com musica alta e buzinando, acordam os moradores de madrugada, ao saírem dessas festas. Quem autoriza esses eventos não sabe que tem famílias que ainda moram em casas na Cidade Velha? Não sabe que fazendo parte do Centro Histórico, segundo a Lei n. 8.295, de 30 de dezembro de 2003, o bairro deve ser conservado e protegido? É necessário um pouco de cautela.
Não vemos ninguém vir para o Centro Histórico por em prática nenhum daqueles planos ou projetos feitos em sua defesa e que foram pagos com o nosso dinheiro. Ninguém aparece também para resolver os problemas do dia-a-dia dos moradores e nem as pequenas coisas que precisam ser feitas. De fato, ninguém se lembra de podar as mangueiras que cobrem as poucas lâmpadas que ainda acendem na Praça do Carmo; ninguém toma providências a respeito da grama que desapareceu de dita praça; ninguém providencia o respeito das normas relativas a poluição, e não somente a sonora; ninguém se preocupa com a trepidação das casas a causa do aumento do transito; ninguém faz algo para que o lixo não se acumule nos cantos das ruas; ninguém pensa no pedestre que deve andar pelo meio da rua pois as calçadas estão ocupadas com automóveis de quem trabalha na Prefeitura, no Tribunal de Justiça ou na Assembléia Legislativa; ninguém resolve o problema do “canal” da Tamandaré; ninguém proíbe o aumento do transito de vans na Dr. Malcher, etc., etc., etc.. Mas, para fazer festa, aparecem, heim?
O art. 23 da nossa carta política deixa claro que é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. A proteção desse patrimônio é, portanto, um dever de todos nós e, neste caso estamos falando, exatamente, da preservação, revitalização e conservação das áreas públicas, edificações e monumentos do Centro Histórico de Belém, de modo coerente.
A defesa da nossa cultura não deve servir de escudo para ajudar a destruir o nosso patrimônio histórico-arquitetônico. É necessário que se compreenda que, com a colaboração da comunidade, pode-se promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, em vez de destruí-lo. Com essa vigilância e outras formas de acautelamento a preservação é garantida.
Não estamos pedindo nada fora das leis, nem fazendo demagogia: não somos candidatos a nada, somos somente eleitores da Cidade Velha.
Dulce Rosa de Bacelar Rocque
Presidente Associação Cidade Velha-Cidade Viva.
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