O escritor OTTO LARA REZENDE... diz que “De tanto ver, a gente banaliza o olhar... Vê não-vendo...”. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem... Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos...É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença...”.
Mas, muitos, mesmo
olhando, nada vêem. Não estão
acostumados a enxergar.
Ao olhar o nosso patrimônio histórico, a área tombada é melhor dizer, descobriremos como,
muitos dos que passam por ela, bem pouco conseguem ver. A Cidade Velha parece
uma das tantas ilhas de Belém, isolada do resto do nosso meio ambiente,
primeiro pelo alagado do Piri, depois pela Avenida 16 de Novembro. Podes até
entrar no bairro para trabalhar, mas te limitas a ir e voltar, sem olhar o seu entorno,
sejam as ruas, as calçadas, ou a cor das casas... que deveríamos
salvaguardar.
Dentro desse “burgo” - ou como se fora a quadragésima ilha, que tem por
limites o rio, a av. 16 de Novembro e a av. Tamandaré,- temos nossas origens,
que Paulo Chaves tão bem enfeitou... E por ali parou. Não se aproximou, nem da Praça do
Carmo, nem do Mercado/Porto do Sal, nem do Palacete Pinho.
Quem sabe foi impedido pelo estado das calçadas de lioz, que na rua Dr. Assis é cheia de degraus, e na rua Dr. Malcher...de entradas em garagens. Nem a
primeira rua, a Siqueira Mendes mereceu atenção, daí um
belo dia, esses fazedores de maquetes,
inventaram de propor um Boulevard de bares que começaria na av. Presidente Vargas e acabaria na Praça do Carmo. Respeito das leis, na maquete, não se notava.
Falando de incentivo ao turismo, resolveram tirar as lojas da Cidade Velha que servem os ribeirinhos, para instalar bares... como se quem vem para a Amazonia se contentasse de ficar sentado num bar olhando nossos ônibus passarem poluindo tudo pelo Veropa. Como chegariam esses turistas na rua Siqueira Mendes: a pé, de bicicleta ou de ônibus? A indagação é pertinente porque estacionamentos não foram previstos... nem indicações aos ribeirinhos sobre a destinação das lojas onde compram seus produtos hoje, ainda.
Numa reunião em janeiro de 2020 onde se discutiam propostas para o Plano
Diretor, após insistir em defender o comercio das ruas da Cidade Velha, me foi
perguntado: “mas, afinal o que vendem essas lojas?” Fiquei me perguntando: Como
programar sem conhecer as especificidades da área? Por isso a Constituição e outras leis, preveem um
contato com a cidadania/bairros. O Município
deve promover e “estimular a
participação da comunidade através de suas organizações representativas”. Se
cumprida essa exigência legal, isso poderia ampliar o necessário conhecimento e a
resolução de problemas das várias áreas em estudo, por quem pouco a frequenta.
Talvez a
inserção do tema da Cidadania no aprendizado escolar, de forma permanente e
consistente, pudesse contribuir para formar novas gerações de pessoas que
incorporem ao seu cotidiano o exercício consciente de seus direitos e deveres. O
mesmo deveria ser pretendido dos agentes públicos responsáveis pela aplicação, pela
fiscalização das leis, e pela repressão e punição aos infratores.
Ninguém é
dono total do saber. Precisa abaixar a cabeça e olhar
para a ponta do sapato próprio e dos outros também... Parece que a
maioria dos milhares de pessoas que aparecem na Praça do Carmo para seguir o Auto do Círio, nem notam o que há de relevante em seu entorno, ou na rua Dr. Assis, por onde passam para ir poluir as igrejas
antigas da Praça da Sé. Outras centenas
de frequentadores dos estabelecimentos noturnos de diversão da rua Siqueira
Mendes, que estacionavam seus automóveis sobre o anfiteatro, as calçadas, e os
canteiros da Praça do Carmo, aparentemente, também
nunca notaram as lojas, mesmo com suas evidentíssimas placas.
Quem acompanha curiosos, estudantes ou turistas na Cidade Velha, se
limita a mostrar os trabalhos embelezadores da nossa memória (deturpada). O Palacete Pinho
e o Mercado/Porto do Sal, bem raramente fazem parte do rol de prédios que
merecem atenção. A casa mais antiga de Belém, fica fora de mão, assim ninguém a
sinaliza aos visitantes... Nessas alturas, como ver em que situação se encontra
tudo o mais da Cidade Velha, e quem sabe até despertar a consciência de ajudar
quem luta solitariamente pela causa da preservação do patrimônio cultural...?
E chegou a pandemia bem no período em que a Prefeitura resolveu
requalificar as quatro praças da área tombada que faziam parte do PAC das
Cidades Históricas. Na véspera da inauguração da Praça do Carmo, skatistas e
patinadores se apresentaram e começaram a ... estragar a alvenaria que
contorna o anfiteatro. Vigilância alguma foi prevista para fazer valerem os
custos dispendidos com as obras de requalificação do logradouro, e resguardar nosso
patrimônio... E nenhum projetista (ou agente
público) tomou ciência dessa necessidade, apesar da Civviva ter solicitado tanto.
Até o final do trabalho de requalificação, nenhum agente público responsável
pela obra sabia informar se iriam colocar nas praças algum elemento para evitar
que fossem usadas como estacionamento, como reivindicávamos há tempos, apoiados
pelo IPHAN. Finalmente, vi a instalação dos balizadores, que nem bastaram para
toda a praça, o que foi completado depois da
inauguração..., sempre sem vigilância.
Em menos de três meses notei que desaparecerem vários balizadores,
inclusive aqueles na Praça do Relógio e todas as lâmpadas do entorno do
anfiteatro da Praça do Carmo... O abandono das praças
era evidente, inclusive pelas lampadas acesas durante o dia inteiro, e os furtos
continuaram. Avisamos os orgãos competentes, e nada vimos acontecer.
Para a administração pública, o patrimônio histórico é uma herança
maldita. As novas propostas de intervenções gentrificadoras, até então
divulgadas, parecem ignorar os maiores riscos de aumentar a destruição. Não apenas
circulando a pé, mas também de carro. Sem um processo legítimo de consulta da
sociedade civil, querem reinventar uma Cidade Velha, ignorando a defesa da
nossa memória e incrementando atividades que implicariam em maior trânsito de
veículos automotores, e consequente maior desgaste da infraestrutura urbana
local e do entorno.
Nessa
defesa opaca e traiçoeira da Cidade
Velha, talvez, os únicos beneficiados em tais intervenções, ao invés da
coletividade, sejam aqueles que
aproveitam para explorar o consumo, muitas vezes irregular, de bebidas
alcoólicas até nas calçadas em frente de casas de família, quando é dia de ...visita.
Nenhum
dos responsáveis pela regulação das atividades na área tombada aparenta se
preocupar com o trânsito das carretas e outros veículos de grande porte que
passam desde as 6h até à meia-noite pelas vias da Cidade Velha. Por onde transitariam
as carretas que abasteceriam de mercadorias os novos estabelecimentos previstos
para instalação na orla do entorno da área tombada?
O
interesse de construir edifícios na orla aumenta... e no meio tempo, tem sido
permitido, abusivamente, o desrespeito das normas vigentes... E as minhas
reclamações, vivendo nesta área tombada e percebendo os abusos, são bem
diferentes de outros interesses... daí, quem defende essas ações irregulares, ou seu DAS, aproveita
e me chama, no mínimo, de maledicente.
A
poluição sonora, tão prejudicial ao patrimônio público e privado, e aos seres
vivos, tem sido totalmente ignorada, quando permitem que o Auto do Círio supere
os 50/55 decibéis previstos nas normas
nacionais para a Cidade Velha... E do mesmo modo abusivo ocorrem diversas manifestações
de órgãos públicos, em frente a museus e afins na área tombada. Alguem parou na
frente da ALEPA para medir os decibeis dos trios elétricos quando tem alguma manifestação?
Na nossa opinião o Carnaval na Cidade Velha, para ser coerente com seu
tombamento, deveria ser feito com blocos de mascarados e uma bandinha. Estando
em área tombada e para salvaguardar nossa memoria carnavalesca, deveria
provocar, inclusive, o minimo possivel de poluição sonora. Deveriam ser incentivados
aqueles blocos que já faziam o carnaval ali, no respeito da tradição. Carnaval com trios elétricos deveriam ser autorizados fora da área tombada..;em vez o
que vimos acontecer em 2013 e nos anos seguintes? ? ?
Assim seguem
as supostas ações de planejamento e de controle nos usos do território urbano. Ontem
vi um operário consertando os danos causados por desportistas incivis na recém requalificada
Praça do Carmo. E eu, a ‘inxirida” da Cidade Velha, até ajudou a recolocar um
dos balizadores salvo de um furto..., mas vigilância na praça, não vi ainda. E
então, os danos continuarão. Quem os paga?
Existem
praças com suas particularidades na área
tombada. Os agentes públicos denotam desconhecer até que horas, crianças de
menor idade permanecem na Praça do Carmo, por exemplo. Assim sendo, nem o
Conselho Tutelar providencia regulares
rondas para cuidar desses futuros
cidadãos.
As cameras do CIOP, exitentes em dois cantos da Siqueira Mendes, na praça do Carmo, para que servem? Alguma vez foram utilizadas para ajudar a defender nosso patrimônio ou os bens públicos? Será que ninguem sabe da existência desses aparelhos?
Para planejar
e controlar/fiscalizar, além das leis, há que conhecer os problemas locais dos vários
segmentos, evitando-se decisões baseadas em perspectivas superficiais, de quem “vê não-vendo”, situação essa
que tende a levar ao fracasso certas intervenções... A nossa Constituição prevê um modo para evitar isso.
O monstro da indiferença não se instala em mim. Vejo, olho, enxergo.... e falo.
Tem gente que não gosta disso: me preferiria, conivente.
Dulce Rosa de Bacelar Rocque - cidadã
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