Esta manhã, cidadãos de Belém representando os Amigos do Ver-o-peso, a Civviva, a Iacitatá, a Rede de Cultura Alimentar e outros parceiros de luta, foram até o Ministério Público Federal protocolar uma nota com a qual pedem a mediação daquele orgão relativamente a maquete eletrônica divulgada pela Prefeitura, onde mostram uma especie de 'galpão' que pretendem
construir no Ver-o-Peso sem a devida consultação dos cidadãos de Belém.
Este o texto
Belém,
03 de fevereiro de 2016
Ao Ministério Público Federal
Ilmo. Sr. Alan Mansur MPF/PRPA
Procurador Chefe do MPF em
exercício Nr. 3124/2016
Ilmo Sr. José Augusto Potiguar
Procurador Regional da República
Nós, abaixo assinados, acreditamos
que ao longo de sua existência o Ver-o-Peso construiu um lugar definitivo no
espaço social, econômico e simbólico de Belém e na História da Amazônia. Do
século XVII aos dias de hoje inúmeras mudanças ocorreram a sua volta, mas ele
segue como nossa mais expressiva referência, atestando sua importância para a
preservação da Cultura Amazônica. Mais do que um complexo arquitetônico e
paisagístico, reconhecido através de tombamento pelo IPHAN em 1977, é um Bem
que guarda em seus saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações e formas de
expressões artísticas, lugares e produtos as marcas de uma Cultura, resultados
de práticas que, de uma forma paradoxal, mantém um caráter urbano/ribeirinho -
moderno/tradicional.
Baseados em quanto prevê nossa
Constituição, com a presente estamos reivindicando e exercendo
o papel previsto para a comunidade junto
ao poder público, como uma forma de acautelamento e preservação da nossa
memória histórica . De
fato, conforme o Art. 216, V, §
1º: " O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro(...)".
Compartilhamos da compreensão de
Maria Dorotéa de Lima, presidente do IPHAN-Pa, que afirma: “Embora os trabalhadores do Ver-o-Peso não possam ser
incondicionalmente enquadrados no conceito de população tradicional contido no
decreto 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, também não estão necessariamente
dissociados deste, seja por constituírem grupos sociais que ocupam um mesmo
território associado ao trabalho e a produção cultural de suas práticas, seja
pelo saber local impregnado por conhecimentos tradicionais,” em “Patrimônio
Cultural: Os Discursos Oficiais e o que se diz no Ver-o-Peso” publicado em
“Ver-o-Peso – Estudos Antropológicos no Mercado de Belém. (Org. Wilma Marques
Leitão – NAEA-UFPA/2010)”.
Assim, preocupa-nos o fato da
administração pública federal não considerar ouvir a sociedade quando da
realização de uma obra de infraestrutura profunda em um patrimônio cultural tão
representativo quanto é o Ver-o-Peso. No sítio do IPHAN encontramos o Manual de
Execução de Ações em Espaços Públicos Urbanos. O documento “tem por objetivo orientar a Caixa Econômica Federal, Municípios e
Estados sobre o processo de aprovação e execução de projetos envolvendo
recursos do Orçamento Geral da União, nas Ações sob a responsabilidade do
IPHAN, dentro da categoria PAC Cidades Históricas, Modalidade Obras em Espaços
Públicos”. Infelizmente, em
todas as suas diretrizes e normas para a liberação da obra e dos recursos
federais, em nenhum momento é garantido um espaço de participação à sociedade, antes
da intervenção em seu patrimônio cultural - o que para nós é uma falha grave...
esquecendo assim de confirmar e assegurar quanto prevê/estabelece a Constituição.
Recentemente, a administração
municipal de Belém divulgou uma maquete eletrônica, uma animação virtual do “galpão”
que pretende construir no Ver-o-Peso, imagens que por si sós já descaracterizam
o espaço, a paisagem e que, entre outros problemas, provoca a perda do título
de “maior feira livre a céu aberto da América Latina”. Imediatamente, nas redes
virtuais, surgiram questionamentos acerca da proposta da Prefeitura.
Em resposta, o IPHAN divulgou uma nota procurando
explicar que o projeto apresentado ainda não foi aprovado pelo Instituto. Por
outro lado, o texto do órgão federal levantou outras questões que também
precisam ser esclarecidas:
1.
O IPHAN trabalha para que a obra
aconteça e inicie ainda em 2016, pois vai reforçar a candidatura do Ver-o-Peso
à patrimônio mundial da Unesco.
Em primeiro lugar, os recursos do PAC Cidades
Históricas para a recuperação do Ver-o-Peso foram anunciados ainda em 2013. De
lá para cá, pouco ou quase nada foi realizado pela Prefeitura para que o
projeto acontecesse. Até mesmo as ações cotidianas de preservação das
estruturas do espaço são exíguas. Como exemplo, podemos citar o fato que às
vésperas do Círio de 2015 foram os próprios feirantes que arcaram com o custo
(cerca de R$ 1.400,00) de uma nova cobertura para o Setor de Alimentos. Diante
do quase abandono total, há tanto tempo, realizar intervenção arquitetônica,
radical, em menos de um ano, motivados por mais um título, sem preocupação com
a vida e a cultura local, parece-nos
fora de propósito e cabimento. As prioridades do Ver-o-Peso, seus trabalhadores
e usuários, devem ser consideradas antes das necessidades burocráticas e das
políticas administrativas. O que não foi feito em três anos, não deve ser
realizado em seis meses.
Acreditamos ser importante o reconhecimento da
Unesco, mas ficamos com uma pergunta: de que adianta mais este título para o
Ver-o-Peso, se cada vez mais ele se distancia de uma feira livre e cada vez
mais se aproxima de um arremedo de shopping Center? Há, inclusive, previsão de
utilização de ar condicionado em alguns setores (conforme reclamação dos
feirantes) e rebaixamento do piso do Setor de Bares – o que pode acarretar
sérios problemas para a Cidade, uma vez que mexerá com o escoamento das águas
fluviais e pluviais, sob o Ver-o-Peso.
2.
Ainda
segundo a Nota do Iphan, já foram
realizados dois momentos de consulta e diálogo com os feirantes. O primeiro foi
na etapa de diagnóstico e o segundo para a apresentação do estudo preliminar,
quando diversas alterações foram sugeridas e acatadas pelos arquitetos. Um
terceiro encontro está sendo planejado para a apresentação do projeto com as
modificações. (...) Recomendamos também à PMB a apresentação pública do
projeto.
Questionamos se duas ou três reuniões com os
trabalhadores da feira são suficientes para esgotar as questões envolvendo uma
obra que vai reconfigurar todo aquele espaço, que além de ser dos feirantes é
dos cidadãos, que em nenhum momento foram ouvidos? Pelo pouco que ficamos
sabendo do projeto, a partir da conversa com os trabalhadores que conseguiram
participar de pelo menos uma das reuniões, há proposta de mudar a localização
atual dos setores, deslocando a venda de novos produtos para a av. Boulevard
Castilhos França, privilegiando alguns em detrimento de outros, sob quais
justificativas não sabemos. É fato também que hoje os feirantes são contrários às
mudanças propostas, em geral.
3.
E
outra informação do IPHAN é a realização de um
momento para apresentação pública.
Infelizmente,
para nós da sociedade, é o mesmo que conhecer o projeto pelas redes sociais,
atitude já tomada pela Prefeitura. Um dos principais desafios das políticas
públicas de preservação do patrimônio é envolver a sociedade e os campos da
Educação e Cultura nesses processos. Entendemos este momento de grande
transformação como uma oportunidade para que Belém veja o Ver-o-Peso não apenas
como o seu “maior cartão postal”, mas que seus cidadãos se insiram como
participantes ativos deste processo de mudança. É também a oportunidade de
realização da chamada educação patrimonial, atividade já desenvolvida no local,
de forma independente, por algumas escolas públicas e privadas que conduzem
seus alunos por entre os corredores culturais do Ver-o-Peso.
Propomos que dos milhões previstos
para a reforma do Ver-o-Peso, um percentual seja destinado para ações de
educação patrimonial, envolvendo alunos de escolas públicas urbanas e
ribeirinhas, em visitas monitoradas pelo Complexo. Não seria nada de novo, na
verdade, seria uma iniciativa que além de ir ao encontro das metas (12 e 14) do
Plano Nacional de Cultural, do governo federal, com o tempo também garantiria o
empoderamento de feirantes e cidadãos, evitando novas investidas autoritárias
no local.
E como outra referência importante
para este momento, também resgatamos o pensamento da presidente nacional do
IPHAN, Jurema Machado, no documento “Desafios da Gestão do Patrimônio”: “É necessário procurar o equilíbrio entre os
papéis da União, dos Estados, dos Municípios, da Comunidade e do setor privado,
investindo fortemente na ampliação de uma rede de proteção e valorização do
patrimônio, não só para desonerar o órgão federal de tantas responsabilidades,
mas para alcançar a verdadeira razão de existir do patrimônio, que é fazer
sentido no universo e na vida cotidiana dos cidadãos.”.
O “projeto da Prefeitura”, que, de
fato, não foi apresentado oficialmente, ainda nos preocupa pelo sério risco de
gentrificação do Veropa - quando a arquitetura passa a ser intimidadora, passa
a ter um viés higienizador, determinando quem pode e quem não merece estar ali
- situação semelhante a vivida pelos moradores de Recife, com as mudanças que
querem impor na região do Cais Stelita, e as ocorridas aqui mesmo, com a
construção da Estação das Docas e outros espaços “revitalizados” pelo poder
público. O Ver-o-Peso tornou-se como um oásis da Cultura Popular na orla de
Belém e a todo tempo é ameaçado pelo abandono oficial que pretende comprovar a
incapacidade do povo cogerir seus espaços econômicos e culturais. Mesmo sofisticada,
a reforma proposta, de modernização ou adequação, não pode jamais constranger
qualquer cidadão de transitar pelo Veropa - o mercado não pode perder sua
característica maior de lugar do nosso afeto cultural, outra marca de Belém e
da Amazônia.
Não aceitamos como normal que uma
administração pública determine que milhares de trabalhadores, frequentadores e
usuários não tenham nada a dizer a respeito do patrimônio que é da Cidade, de
seus cidadãos. Neste sentido, consideramos o projeto apresentado pela
Prefeitura (através de maquete virtual) elitista, excludente e que aponta no
caminho de afastamento da população e destruição da cultura popular. Isto sim,
para nós é um dado negativo e que depõe contra a candidatura do Ver-o-Peso ao
reconhecimento da UNESCO como patrimônio mundial.
Diante do exposto, buscamos no
Ministério Público Federal um posicionamento mediador na questão. Que possa
criar um ambiente de diálogo, através de tantas e quantas audiências públicas
sejam necessárias, para a construção de uma proposta de intervenção que não
fique sujeita às pressões de novos títulos
internacionais; anos eleitorais; às decisões de políticos da administração
pública, interesse de projetistas ou apenas ao agrado dos trabalhadores do
local (o que no caso é justo), mas que também garanta aos cidadãos,
frequentadores e usuários do Ver-o-Peso uma oportunidade para exercer a prevista cidadania através da colaboração com o poder
publico, para assim ter,
verdadeiramente, voz ativa nas decisões a respeito do seu patrimônio.
1.
Amigos
do Ver-o-Peso
2.
Civviva
- Associação CIDADE VELHA-CIDADE VIVA
3. IACITATÁ AMAZONIA VIVA
4. Rede de Cultura Alimentar
5. Patricia Rocha
6. Edson Pereira de Souza
7. Anastácio Trindade Campos
8.
João Lucio Mazzini da Costa.
9.
.
Maurício
Morales de Souza
10.
Janduari A Simoes
11.
Carla Sueli Cabral da Silva
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