sábado, 10 de agosto de 2024

A Cidade Velha Crucificada

 

A Cidade Velha Crucificada  

(Ronaldo Franco – Escritor)


Quantas cidades na Cidade Velha¿

Quantas florestas de telhados

Excesso de telhas para cobrir ternura¿

 

Que calvário

Estreitou as ruas do sol?


As rotulas das janelas

ensanguentadas

Abriam-se

Ao fedor do mênstruo da espera

Mas o que fedia

Era o dia morto de tédio

 

Em que (a) Deus

As mães preparam os filhos

Os pais cruzaram os braços¿

 

Semanas santas

Sossegavam feridos encontros

Rádios gritavam

Três mil horas de agonia

 

Cristos mortos

(Saudades vivas)

Eram escoltados

Por tristeza mortal

 

Sobre nossas cabeças

Qual século sacrificado¿

 

O tempo subtraído

Nos sapatos de água

 

Olhares se conjugam nos pingos

Numa invenção

- molhada –

 

Nem sempre escutado

O galo e sua ópera encharcada

Lava os homens de Madalena

Nos quintais de pedra

Onde manos enterram o catecismo

E manas descobrem desejos

 

Quantas chuvas

Íntimas

No bordel das conversas¿

 

Quantos sorrisos sonsos

Sobre a penteadeira

Da boca vencendo a cor¿

 

Quantas gavetas

Entulhavam ausências

E traições de alfazema¿

 

Quantos azulejos sujos

Com sangue de irmãos

Quantos azulejos

Lavados/lavrados

Com mãos estrangeiras¿


Quantas coisas

Guardavam potes de lágrimas¿

Quantos potes

Secaram na sede dos anjos¿

Quantas vidas

Quebraram-se como potes¿

 

Quantas mortes

começam uma cidade 


E Cristo

Deita-se

Na rede sem pátria mãe

Na rede sem pátria filha

 

Cidade Velha berço ao vento


Na rede mortalha

A vertigem do passado

- balança -


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