segunda-feira, 11 de maio de 2015

O que mandamos ao MPE sobre a Tv. Felix Rocque


As entidades que formam o Movimento Orla Livre entregaram ao Ministério Público Estadual no último dia 05 de maio, documento substancioso, no qual exigem a demolição da obra da Empresa de Praticagem do Pará, que está sendo construída irregularmente sobre o leito da Travessa Félix Rocque, uma das primeiras ruas de Belém.


Belém, 05 de maio de 2015.

Ao Exmo. Sr.

RAIMUNDO DE JESUS COELHO DE MORAES
3º PROMOTOR DE JUSTIÇA

Excelentíssimo Promotor,

Diante dos desdobramentos da construção irregular na Rua Siqueira Mendes, nº 58, esquina com a Tv. Felix Rocque, fundos para a baia do Guajará, que tramita no âmbito dessa Promotoria e que teve sua determinação de desobstrução da via, não atendida, permanecendo desalinhada a obra em relação ao alinhamento do terreno e portanto, continuado a ilegal invasão da referida via, que também não teve a ação reparatória, delegada à SEURB, vimos por meio deste, prestar nossa contribuição, como cidadãos, no sentido de auxiliar essa Promotoria, para que a situação seja revertida em prol dos reais e mais do que legítimos interesses da sociedade.

Organizamos um relato detalhado, com base documental, que corroboram a assertividade da decisão dessa Promotoria, em determinar o realinhamento do projeto, com base na conclusão da SEURB, sobre o correto alinhamento do terreno, o que foi confirmado também, mais recentemente, por manifestação da Secretaria de Patrimônio da União, que reconhece que a construção acarreta de fato a obstrução da via.

A SPU é taxativa em ofício nº 284/2015, de 15 de abril de 2015, dirigido à SEURB, quando afirma que a construção obstrui a travessa e requisita que a SEURB realize o realinhamento e desobstrução da referida travessa, como se vê, diante de todo o histórico avaliado da situação, chegou ao mesmo resultado já proferido pela SEURB e por essa Promotoria. (pg. 16-19).

Importante ressaltar, o que se verá adiante, que essa Promotoria reuniu com a empresa interessada em 28 de MAIO de 2014, conforme ata em anexo, (pg. 20-21), encaminhando a partir de então, uma série de providências, que chegaram a seu termo, com a emissão de notificações para todos os envolvidos, em 09 de OUTUBRO de 2014, sobre a conclusão dessa Promotoria, no entanto, em meio ao curso de tais trâmites, consta a revalidação,  por parte do IPHAN, do Parecer nº 107/2013, de aprovação do projeto, via Parecer nº 085/2014, de 02 de SETEMBRO de 2014, ou seja, muito provavelmente, pela data de emissão do parecer, a tal revalidação não seguiu rigorosamente a decisão dessa Promotoria, nem tão pouco, a orientação do croqui final de alinhamento do terreno, oferecido pela SEURB, em que são determinados os devidos recuos da obra, sob pena de desobstrução pela própria SEURB. Não dispomos de informações de que a partir das referidas notificações, o IPHAN tenha alterado a sua avaliação ou que a FUMBEL tenha cancelado a sua aprovação para a correção do projeto ou mesmo que a SEURB tenha atendido a determinação dessa Promotoria, de desobstrução da via.

A seguir, detalhamos circunstancialmente, os fatos relativos ao problema em questão, organizados em duas partes. A primeira enfoca a documentação histórica e urbana da via como elemento importante da memória urbana, diga-se legalmente protegida nas instâncias municipal e federal, e a segunda congrega os acontecimentos que levaram à sua obstrução parcial, alterando seu traçado, portanto, descaracterizando o Centro Histórico da cidade.

I - Quanto ao traçado urbano do centro histórico da cidade de Belém/PA e a via denominada hoje Trav. Félix Rocque:


1.       As origens da cidade de Belém denotam que a atual Trav. Félix Rocque, uma das primeiras vias abertas perpendicular à Rua do Norte, atual Rua Siqueira Mendes, primeira rua da cidade, seguia de forma regular até o rio. O traçado urbano da cidade, a despeito das alterações em maior ou menor grau sofridas em seu acervo arquitetônico, constitutivo da imagem da cidade, tem em suas vias estreitas, uma lógica de ocupação que reflete seu crescimento e os terrenos alagadiços, então os principais empecilhos para sua expansão “natural”, os quais, gradativamente foram sendo superados, quer pelo aterramento dos terrenos pantanosos, quer pela implantação de outros pólos de referência que acabaram por integrar os diferentes núcleos urbanos, em geral, constituídos ao redor de Igrejas e Conventos estabelecidos pelas diversas missões religiosas que aqui se assentariam.

Figura 1: Manuscrito do Algemeen Rijksarchief, Haia, 1640, onde se observa a consolidação do bairro “Cidade”, atual Cidade Velha, o núcleo originário da cidade, incluindo a atual Trav. Felix Rocque, via que leva ao rio, perpendicular à então Rua do Norte, atual R. Siqueira Mendes.


2. Reflexo dessa trajetória, a delimitação do Centro Histórico de Belém (CHB), ainda em 1990, elegeria os núcleos da Cidade e Campina, os primeiros estabelecidos, como a área de preservação a ser protegida e regulamentada em regime específico, o que se daria posteriormente com a Lei Nº 7.709, de 18 de maio de 1994, ainda em vigor, apesar das adequações ocorridas com a aprovação do Plano Diretor do Município de Belém, Lei Nº 8.655, de 30 de julho de 2008, o qual, mesmo com novo zoneamento, ratificou os gabaritos dispostos em 1994 e as diretrizes e objetivos para o CHB e seu entorno. 

3. As cidades históricas são caracterizadas por apresentarem núcleos, por vezes chamados de sítios ou centros históricos, os quais por diversas razões são preservados da destruição e permanecem íntegros, ou parcialmente íntegros, com o seu traçado urbano e suas edificações originais ou aquelas que mesmo extemporâneas possam vir a integrar o acervo a preservar, ou mesmo aquelas ditas de renovação, as quais devem se adequar ao preexistente, e nunca o contrário. Nesse sentido, vale destacar que há duas categorias de imóveis em que estão classificadas as edificações em questão, conforme o Artigo 34 da Lei 7.709/1994, sendo a parte frontal histórica classificada como de Reconstituição Arquitetônica e a parte posterior de Renovação Arquitetônica.

4. Nesse contexto, Belém apresenta seu traçado urbano preservado desde suas origens e inscreve-se dentro do conjunto de cidades brasileiras, remanescentes do período colonial e imperial brasileiro.  Seu conjunto arquitetônico é formado por remanescentes especialmente dos séculos XVIII e XIX, e até mesmo exemplares do século XX, hoje já passíveis de preservação. 

5. Do traçado urbano, íntegro, caracteriza-se a ortogonalidade das vias estreitas, formado por pequenas quadras e reduzida altura de seus imóveis, a sua maioria civis, mas que também concentra os mais expressivos monumentos da arquitetura religiosa, administrativa e militar, cuja tipologia dominante confere à Belém uma forte conotação lusitana, que faz evocar em vários trechos de sua paisagem urbana, cidades portuguesas. 

Figura 2: Planta da Cidade do Pará, de 1780, com os núcleos da Cidade e Campina, consolidados, os quais constituem o Centro Histórico de Belém, com destaque para a atual Trav. Felix Rocque e para a demarcação das quadras, neste momento marcadas por construções de alvenaria de pedra, no alinhamento dos lotes, indicando uma via claramente regular perpendicular ao rio.

Figura 3: Mapa de Belém em 1791, onde com maior riqueza de detalhes observa-se a consolidação das quadras, destacando-se as edificações no alinhamento dos lotes (em laranja) e as áreas verdes dos quintais. Observe-se no detalhe a atual Trav. Felix Rocque com a demarcação evidente e absolutamente clara do volume edificado deixando a via livre e de traçado regular que leva ao rio.


6. Nota-se que a Trav. Félix Rocque é uma das mais antigas ruas da Cidade Velha. Perpendicular à primeira rua regularmente aberta de Belém, a Rua do Norte, hoje Rua Cônego Siqueira Mendes. Sua existência já é registrada no mapa mais antigo da cidade, datado de 1640 (Figura 1)  e é registrada em toda cartografia histórica da cidade no período colonial, imperial e republicano (Figuras 2 e 3), em farta e acessível documentação iconográfica. E como rua atravessou séculos, sempre reta, sem curvas, saliências ou reentrâncias, abrindo-se e dando acesso às margens da Baía do Guajará, como pode se perceber na documentação histórica urbanística. Primeiro chamou-se Rua da Rosa, depois Travessa da Residência, pois era o caminho que conduzia direto ao Palácio e Residência dos Governadores da Capitania. O terceiro nome foi Rua da Vigia. Tornou-se “Félix Rocque” em 1960, em homenagem ao grande promotor de espetáculos teatrais e musicais no arraial de Nazaré. 

7. Nos quatro vértices que formam a esquina da Travessa Félix Rocque com a R. Siqueira Mendes, encontram-se edificações que contam um pouco da evolução urbana da Cidade Velha. A Casa Soares, um sobrado residencial e comercial do século XVIII, que corresponde à frente do imóvel hoje de propriedade da Empresa de Praticagem; os sobrados da Fábrica Bitar, cujas feições do séc. XX de gosto art deco assentam-se em harmonia ao conjunto da Rua Siqueira Mendes, onde se concentram boa parte de edificações do século XVIII e ainda, uma das poucas representantes da arquitetura civil atribuídas ao arquiteto italiano Antonio Landi, a chamada Casa Rosada, edificação setecentista de arco abatido, beiral e cimalhas, raros, como também ainda mantém a antiga Casa Soares. 



Figura 4: Imagens dos imóveis que marcam a esquina da Trav. Félix Rocque com a R. Siqueira Mendes, dos mais significativos espaços da memória arquitetônica e urbanística da cidade (Fotos: Juliana Moreira, 2012).

8. O núcleo urbano que dá origem à Belém, portanto tinha ruas estreitas de terra; largo em frente aos edifícios religiosos; lotes estreitos; edificações sem recuo frontal e afastamentos laterais. As ruas e largos não eram originalmente arborizados, mas o foram dentro das perspectivas de embelezamento urbanístico e medidas higienistas preconizadas pós revolução industrial, que aqui se consolidariam no final do séc. XIX e início do XX, coincidindo com o ciclo econômico da borracha, o que por sua vez se refletiu em vigoroso progresso urbanístico. Ainda assim, embora as edificações em sua maioria tenham se “modernizado” naquele momento, seja pela inserção dos ícones decorativos do ecletismo em suas fachadas, seja pela obrigatoriedade de construção das platibandas para apagar os beirais coloniais que despejavam as águas das chuvas diretamente nas vias, curiosamente estas vias mantiveram-se integralmente preservadas, e como disposto no item acima (Figura 4) justamente na esquina da Trav. Félix Rocque, estão dois belos exemplares tipicamente coloniais. 

9. Ainda que o reconhecimento municipal com o tombamento do CHB tenha ocorrido somente em 1990, desde a década de 1940, os principais monumentos arquitetônicos coloniais da cidade foram tombados individualmente em âmbito nacional, gerando ao longo do tempo um extenso conjunto que seria finalmente reconhecido por sua expressividade urbana em âmbito federal, por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional/IPHAN, que efetivou o tombamento do Centro Histórico de Belém de acordo com a Portaria MINC Nº54/2012, de 08/05/2012, publicada no DOU em 10/05/2012, portanto sujeito ao Decreto-lei Federal nº. 25 de 30/11/1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e à Constituição Federal, de 05/10/1988, Art. 216, itens IV e V. 

10. Desta análise apreende-se que o tombamento de áreas urbanas conserva mais do que lembranças e fachadas do acervo material edificado, mas também as referências de seus traçados, que conforme cada momento histórico, refletem circunstâncias culturais e práticas de ocupação, que se somam à adequação ao sítio físico e características intrínsecas à realidade local. 

11. Por outro lado, as normativas que decorrem do tombamento, via de regra, visam à manutenção das áreas históricas, cuidando para manter aspectos gerais e a harmonia das novas estruturas em relação às pretéritas, estas sim, a destacar. Assim, são definidos critérios para coibir a verticalização além da volumetria tradicional predominante e, naturalmente, mudanças no traçado das ruas, ou do tamanho dos lotes, proibindo remembramento e desmembramento de lotes, estabelecendo gabaritos de construção e modelos urbanísticos com a definição de afastamentos que procurem manter as características remanescentes e a preservar. A esses cuidados gerais, refletem-se o que se convencionou chamar de “ambiência e legibilidade”, conceitos importantes para a preservação da identidade dos lugares. 

12. Desta forma, entende-se que a Trav. Félix Rocque, como parte integrante do núcleo histórico originário da cidade, deve ser assim mantida e preservada como notadamente demonstra sua permanência na documentação histórica da memória urbana da cidade.

II - Quanto aos fatos que cronologicamente levam à descaracterização da Trav. Félix Rocque: 

13. Constam denúncias proferidas pela empresa S.A. BITAR IRMÃOS, dirigida à SEMMA/PMB, dando conta da construção de pilares no centro da Tv. Felix Rocque, que ocasionariam o fechamento da rua e ainda a construção de um ancoradouro em concreto armado, fora do alinhamento predial, avançando ao alinhamento da rua. 

Figura 5: Imagem da Trav. Félix Rocque, em 2012, onde se observa claramente o alinhamento das edificações no lote, sem invadir o leito da via.

Figura 6: Imagem da Trav. Félix Rocque, em 2015, onde se observa claramente a invasão da nova construção no leito da via.


  
14.       Registra-se que a denúncia parte justamente do antigo proprietário do terreno, mais do que conhecedor da questão, que obviamente quando o repassou o fez mantendo a integridade da rua, de acordo com o que é de Lei e consta em documentos dos órgãos oficiais, bem como, em levantamentos aerofotogramétricos e ainda em fotografias, que denunciam o exato alinhamento do terreno e das paredes laterais dos prédios subsequentes na exata perpendicularidade com o prédio da Siqueira Mendes. 

 Figura 7: Imagem do lote na Trav. Félix Rocque, em 2013, com as obras iniciadas, onde é possível observar o antigo alinhamento da edificação anterior e as ferragens dos pilares (destacados pelas setas) que avançaram para o leito da via pública.
 Figura 8: Imagem do lote na Trav. Félix Rocque, em 2013, com as obras iniciadas, onde é possível observar o antigo alinhamento da edificação anterior e as ferragens dos pilares (destacados pelas setas) que avançaram para o leito da via pública.

15. Consta em croqui do terreno edificado, na Rua Siqueira Mendes, nº 26, com a Tv. da Vigia, elaborado pela Diretoria de Patrimônio da municipalidade de Belém-Pa, a partir de verificação in loco, datada de 09/06/1941, para efeito de aforamento do transpasse de propriedade de José Maria Marques para a Sociedade Amazônia Bitar Irmãos, a área de 195,52 m2, na escala 1:400, distribuída em dois lotes:  Frontal 12,22 x 16 m e fundos 12,22 x 33m. (pg.22-23).

16. Consta da CERTIDÃO do Cartório do 1º Ofício, Cleomar C. de Moura, Registro de Imóveis da Comarca de Belém, Estado do Pará, a confirmação das dimensões das referidas áreas. Registro em resumo:  Consta às fls. 264 do Lº 3-0 – Foi transferido, em 30/08/1941, sob o nº 5901, a transmissão do imóvel, terreno edificado com um prédio sobrado, com 12,22m de frente e 16,00m de fundos, em linhas perpendiculares a da frente; Terreno de marinha abrangido, com 12,22m de largura e 33m de cumprimento. Ocorreu a reunião das duas áreas, que resulta em 12,22X49m, em linhas perpendiculares ao da frente, em parte foreiro ao município e parte para a União. (pgs.24-27).

17. Os documentos citados acima e as fotos, comprovam que o alinhamento do casario nunca ocasionou o estreitamento da via.

18. Constata-se que o avanço do terreno iniciou com a construção de uma palafita, erguida irregularmente, que praticamente fechou a janela para a baia. Observa-se, no entanto, que a palafita foi erguida após o limite do muro da casa a esquerda, referência que continua intacta. 

19. Vê-se que o ancoradouro e a volumetria do projeto do prédio, utilizam-se da área avançada pela palafita, porém o avanço da nova construção inicia bem antes. Não curiosamente, observa-se a proximidade de largura do acesso para a baia, entre a palafita e a casa a esquerda e a largura entre o último pilar do prédio projetado e a casa a esquerda. 

20. Mais absurdo ainda é que parece ter tomado como referência para o quarto pilar a dimensão de uma área outrora coberta irregularmente em telha de fibrocimento.


Figura 9: Imagem de construção prévia irregular, de material de fácil reversibilidade, que irregularmente cobria parte da via, sem contudo obstruí-la . 

Figura 10: Contraste da edificação que se ergue irregularmente e obstrui parcialmente a via, executada de forma que se pretende permanente com pilares e vigas de concreto, paredes em tijolos e cujo traçado projetual propositadamente é chanfrado e invade a via, quebrando sua perspectiva visual pretérita.

21. Resguardando-se a perspectiva e mesmo a qualidade da Figura 9, fica evidente que a largura da via comportaria pelo menos dois carros, o que claramente é impossível imaginar na largura atual do final da trav. Felix Rocque, conforme evidencia a Figura 10, que efetivamente tem-se transfigurado em um “beco” que não corresponde à sua dignidade histórica conforme se contrasta com os mapas históricos das Figuras 2 e 3. 

22. No que tange aos registros dos limites do terceiro lote, de 14,07 m de frente, junto a SPU, entendemos que deveria acompanhar a dimensão registrada nos ÚNICOS documentos de compra e venda, que encontram a devida correspondência na Certidão do Cartorário Cleto Moura, que indica a medida de 12,22 m.  Nesse sentido a SPU deve reconhecer a falha em seus registros e corrigi-las, sob pena de gerar um grave prejuízo à municipalidade. 

23. Ao ser legalizado o terreno de marinha, não respeitaram a perpendicularidade documental que havia já desde os dois primeiros lotes, quem tem a metragem de 12,22 m, assim fosse, seria mantido o alargamento do final da via, como sempre se apresentou, historicamente.

24. Outra possibilidade possível é que a iniciativa de se estreitar a via tenha partido da observação pelos proprietários de que o terreno a sua esquerda sofre uma inclinação aproximada de 2 graus para o seu interior, que resulta ao longo de seus 93 m, no alargamento do final da via, na seguinte ordem, partindo da R. Siqueira Mendes, aproximadamente:  aos 16m, uma abertura de 0,56 m; aos 33 m, uma faixa de 1,15 m; aos 49 m, uma faixa de 1,71 m e aos 93 m, uma faixa de 3,25m, daí realinharam o terreno de nº 58, praticamente em paralelo com o alinhamento da parede à esquerda, usando como referência a largura inicial, porém, apropriando-se indevidamente de parte da via, vez que a área de aproximadamente 151 m2 nunca foi objeto de compra ou transferência de terreno, que se comprove por qualquer documento, além dos registros na SPU.  É, portanto, o terceiro lote, resultado de aterramento de uma área considerável para dentro da baia, somado  a invasão de aproximadamente 151 m2 da travessa Felix Rocque. 

25. O Parecer nº 107/2013-IPHAN, de aprovação do projeto, constata o correto alinhamento do terreno, sem avanços à rua, ao registrar em seu primeiro parágrafo: “A edificação pretérita encontra-se no alinhamento frontal e lateral do lote e as demais, nos lotes que se seguem na área posterior, também no alinhamento”. Também indica que foi detectado erro na escritura do imóvel e no alinhamento, o que gerou embargo da obra. (pg.28-32).

26. Considerando a denúncia, o IPHAN informa à SEURB, em ofício nº237/2013, de 31/05/2013, que anularia o parecer de aprovação do projeto e que embargaria a obra, requisitando que a SEURB fizesse o mesmo e que fosse revisto o alinhamento informado, recuando-se o último bloco pelo alinhamento do primeiro ao invés de avançar os demais.  Em suma, o IPHAN reconheceu o equívoco cometido, considerando a estreiteza da via, a possibilidade de ampliação da visada para a baia ao invés da redução e a relação do prédio com a área urbana envoltória também tombada.  

27. A SEURB, por sua vez, responde ao IPHAN, via ofício nº 1139/13, de 09/07/2013, informando da revisão do alinhamento em 24/06/2013, “corrigindo a largura do início da quadra para 3,46 m e a largura do final da travessa para 4,30 m, cota que deverá prevalecer, resgatando o passado”.  Informa ainda que tal orientação foi repassada para o proprietário e responsáveis técnicos da obra para procederem e reestudarem nova proposta de ajustes do projeto arquitetônico para então ser submetido à análise do IPHAN. (pg. 33-34).

28. Constata-se que a denúncia, o posicionamento do IPHAN e da SEURB, que indicam a necessidade de ajustes, contradizem totalmente a vistoria técnica executada pela FUMBEL, em 12/04/2013, que afirma a não existência de nenhum pilar construído ou em execução no meio da Tv. Felix Rocque, que impeça a passagem de transeuntes, possivelmente tendo como referência algum croqui equivocado da área, embora reconheça ter constatado que a obra em andamento se tratava de perfuração dos locais que seriam feitas as fundações do prédio, de acordo com o alinhamento retificado. (pgs.35-38).  Nos registros fotográficos da vistoria, observa-se claramente o limite preexistente da travessa, ou seja, a parede da antiga casa, o tapume avançado, algumas ferragens indicando a base de pilares, avançando para a travessa e marcações em madeira, que parecem condizer exatamente com o alinhamento atual imposto pelo projeto.

29. Vale aqui salientar que do reposicionamento da SEURB, descrito no ofício nº 1139/2013, de 09/07/2013 até o parecer do IPHAN, de 31/07/2014, decorreu-se mais de um ano. 

30. Em 31/07/2014, o IPHAN emite parecer nº 085/14, que objetiva a renovação de prazo do Parecer nº107/2013-IPHAN, de 19/08/2013, de aprovação do projeto, onde consta além da construção pretérita, apenas duas outras edificações, que se enquadram no gabarito de 7 m. Nele também consta foto da fachada lateral, datada de 31/07/2014, onde fica claro o alinhamento entre as paredes laterais das ditas construções extemporâneas com o imóvel da Siqueira Mendes, nº58.(pgs.39-41). 

31. O IPHAN revalida o projeto e mesmo admitindo ter aceitado o avanço para a rua, da construção da área de 12,22 X 33 m, em 0,68 cm, considerando algumas compensações, como: o preparo da rua, afirma textualmente: “a construção dos anexos não causam interferência visual no meio urbano, o projeto atende aos critérios de manutenção da ambiência, legibilidade e salvaguarda do patrimônio cultural do bairro da cidade velha. Desta forma, o IPHAN aprova o projeto apresentado”. (pgs.6-10/Dossiê), o que a nosso ver não cabe na interpretação do caso, posto que a obstrução é absolutamente evidente e altera a leitura, visibilidade e ambiência do espaço urbano.

32. Constata-se ainda claramente que a proprietária do terreno não acatou completamente as determinações da SEURB em revisar o projeto para adequá-lo às orientações, vez que não respeitou a largura legal do segundo lote, que é de 12,22 m.

33. O mesmo parecer do IPHAN menciona uma terceira área, medindo 14,07 x 44,16 m, que na certidão do Cartório Diniz é indicada como terreno em fase de legalização junto a SPU, conforme RIP nº04270100214-58, processo 1028006644/8609. (pg. 42-47).

34. Diante do exposto, depreende-se que, precisamente ao protocolar o projeto junto ao IPHAN, a interessada não dispunha da propriedade legal da área supostamente de dimensões de 14,07 X 44,16 m, portanto, não deveria propor construção definitiva no local.

35. Considerando o dever precípuo do IPHAN de salvaguardar o patrimônio cultural e que no contexto do meio urbano e da ambiência, inclui-se tanto o prédio, quanto a rua, instala-se a dúvida quanto à compatibilidade entre o projeto aprovado pelo órgão e o que foi efetivamente executado na área, que induvidosamente gerou o evidente aumento de área do terreno e conseqüente estreitamento da rua e calçada, causando um impacto visual dantesco e a inconteste alteração da ambiência do local. 

36. Fato concreto é que o projeto foi aprovado, tolerando-se a invasão da travessa Felix Rocque e ainda tendo como referência um primeiro croqui oferecido pela SEURB, que claramente não fora compatibilizado com a documentação de propriedade, nem tampouco, com os documentos que determinam a largura da travessa, tanto que posteriormente foi determinada a sua correção. 

37. Em 28/05/2014, dando sequência ao processo, a Promotoria de Meio Ambiente, reúne em audiência extrajudicial, com os representantes da empresa para que esclareçam documentalmente a questão, dada a denúncia.(pg.20-21). 

38. A empresa Barra do Pará Belém-Vila do Conde e adjacências Serviços de Praticagem S/S Ltda, em resposta a Notificação nº004/14, da Terceira Promotoria de Justiça do Estado do Pará, Promotor Raimundo de Jesus Coelho de Moraes, apresenta a Certidão do Cartório Cleto Moura, Registro de Imóveis do 1º Ofício, onde se confirma a dimensão de 12,2x49  m.(pg.25-27). 

39. Ocorre que na solicitação de aprovação dos projetos não apresentou tal certidão e sim a certidão do Cartório Diniz, que indica a terceira área ainda em fase de legalização junto a SPU, conforme RIP nº04270100214-58, processo 1028006644/8609, (pg. 42-47), ou seja, os órgãos de aprovação e licenciamento do projeto, o fizeram considerando uma área da qual a empresa não dispunha do exato documento de propriedade, critério básico para a admissão e avaliação de projetos, fatos conhecidos pela interessada e que não teriam ocorrido caso tivesse apresentado a documentação correta, a mesma que entregou à promotoria de meio ambiente. Note-se que na descrição do 3º lote, o Cartório Diniz registra: “terreno edificado, em alvenaria, situado nos fundos do imóvel anteriormente descrito, que mede 14,70m de frente por 44,16m de fundos, ou o que realmente tiver e for verificado in loco...”.

40. Assim, supõe-se que a empresa antecipou-se em tentar aprovar o projeto sem aguardar a conclusão do processo junto a SPU, induzindo os órgãos a erro. 

41. A SEURB, em ofício de nº2771/14, de 19/09/14, em resposta ao ofício nº232/14-MP 3 PJ/MA/JC/HU, de 02/09/14, apresenta novo croqui, informando que “já há alinhamento consolidado, definido pela parede do imóvel existente na área do Centro Histórico”. Nele indica categoricamente a existência de pilares e tapume obstruindo a via pública, assim como, a evidente alteração da volumetria do terreno, decidindo então a luz do Plano Diretor Urbano, por determinar o recuo de 0,50 cm, a partir dos pilares frontais existentes e de 2,00 m, a partir do tapume frontal existente, o que claramente não foi obedecido na execução do projeto, vez que a empresa se limitou a simplesmente retirar o tapume, mantendo inalteradas as linhas do projeto, assim se mantendo em face da precária fiscalização dos órgãos de preservação e licenciamento, basta a comparação entre registros fotográficos de antes e depois da construção. (pg.48-51). 

42. Em complementação às informações do ofício nº2771/14-SEURB, a Divisão de Alinhamento Predial da SEURB, declina em Informação nº06/14 e relatório, que o novo croqui dependia da avaliação do IPHAN e da FUMBEL, ou seja, não poderia servir de parâmetro sem tais aprovações, por tratar-se de área tombada. (pg.50). 

43. Após prestadas tais informações, a 3ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente, Promotor Raimundo de Jesus Coelho de Moraes, na NF nº 0001293-116/14, de 29/09/14, determinou: que a empresa retirasse o tapume existente, que segundo o croqui atualizado pela SEURB estava obstruindo a via pública, bem como, se abstivesse de realizar obra no trecho considerado via pública; Determinou também para a SEURB, que utilizasse de seu poder de polícia e retirasse os obstáculos, leia-se tapume e pilares, no descumprimento da empresa. (pg.52-53). 

44. A 3ª Promotoria, diante da comprovação do desalinhamento do projeto em execução, notificou em 09/10/2014, à empresa Praticagem da Barra do Pará, SEURB, IPHAN e FUMBEL. (pgs.54-56).

45.  – O IPHAN através do Ofício nº 091/2015, responde ao Ofício nº 252/2014 –MP-3º PJ/MA/PC/HU, onde informa que o parecer anterior foi cancelado e a obra embargada, pois, após consulta aos cartórios houve a constatação de um equívoco de digitação, onde a escritura declarava 14,70m, deveria ser considerado 14,07m, levando à SEURB a corrigir o alinhamento pela nova informação cartorial. Após a retificação do projeto, de acordo com as novas medidas, o IPHAN aprova o projeto, mesmo reconhecendo que "Ainda assim, essa cota é 1,85m superior à cota da edificação que foi demolida."

46. Diante dos fatos supra, mesmo reconhecendo que parte das obras destina-se à recuperação de edificação histórica, pela iniciativa privada, o que é desejável e deve ser incentivado, não podemos corroborar para que tais ações, sejam justificativas para se apoderar da via pública, no que insistem em chamar de “beco”, quando desde os primórdios, trata-se de importante via no centro histórico da cidade, sendo como tal, tombada pelo patrimônio histórico municipal e nacional. 

47. Além disso, a recuperação e a instalação de atividades em áreas históricas de valor cultural, não são em si um ato de condescendência da iniciativa privada, posto que em âmbito mundial, são estes bens e áreas, procuradas como pontos de referência social e econômica, diferenciadas de outras áreas da cidade, justamente por seus atributos históricos, arquitetônicos, urbanísticos e culturais. 

48. Torce-se assim para que o empreendimento seja exitoso e fortaleça o caráter da instituição, porém, não é de se admitir o estreitamento da via, a apropriação indevida de bem público, gerando inúmeras irregularidades, como as que são a seguir elencadas:

a) Obra executada fora do alinhamento legal;
b) Ocupação privada no espaço público;
c) Fechamento irregular da janela para o rio;
d) Afronta ao código de postura do município;
e) Afronta às legislações de proteção patrimonial, quer em âmbito municipal quanto federal, incluindo a Constituição Brasileira;
f) Crime contra o patrimônio histórico e a memória urbanística da cidade;
g) Crime ambiental;
h) Impedimento de acesso dos bombeiros para abastecimento de água no rio;
i) Riscos ao meio ambiente.

49. Ao autorizar a obra, sem defender o traçado histórico da rua, os órgãos que licenciaram a obra passaram a defender o interesse particular em detrimento do interesse público do povo de Belém, que é o direito ao Patrimônio Cultural, bem de natureza difuso, o que, por consequência, é indivisível e imaterial e por isso não é de propriedade exclusiva de ninguém, ou seja, possui titularidade difusa no meio social, sendo, portanto, indeterminada. 

50. São bens, portanto, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e por esse motivo, não podem ser objeto de apropriação exclusiva, pertencendo a toda a coletividade. 

51. Por todo o exposto, entendendo que o embargo foi medida mais do que acertada, requisitamos que essa Promotoria faça valer a determinação já prolatada e mais do que reforçada formalmente pelos relatórios da SEURB e manifestações do IPHAN e da SPU, para garantir a demolição da parte que invade a rua, inclusive do ancoradouro, devolvendo à Tv. Félix Rocque o seu antigo e histórico traçado, garantindo assim, o devido respeito a essa e as demais instituições envolvidas, à ordem legal, consagrando tal decisão como um emblemático presente de 400 anos para Belém, assim como, um marco de reforço e execução das leis de preservação do patrimônio histórico, que justamente tem sido vilipendiado, em grande medida pela fragilidade das instituições de preservação. 

52. No mais, consideramos ainda necessária a devida avaliação quanto ao cumprimento tanto pelos elaboradores do projeto, empresa responsável, Secretaria de Patrimônio da União, órgãos de preservação e dessa Promotoria, referente às exigências legais, Portaria nº 404/12, de 28/12/2012, para a construção da estrutura náutica existente no local, aprovada pelos órgãos de preservação. (pgs. 57-66).

53. Por JUSTIÇA, nós, Movimento Orla Livre, AAPBEL, CIVVIVA, ARQPEP, ASAPAM, Observatório Social de Belém, LACORE e Projeto Circular Cidade Velha-Campina, dentre inúmeras outras entidades da Sociedade Civil, queremos a rua, que sempre foi rua, o rio que é nosso caminho.  A memória e a cidade que merecemos!

Certos de vossa sensibilidade em prol da preservação do patrimônio histórico, bem como, do pronto acolhimento aos nossos anseios, manifestamos nossos protestos de estima e consideração.

Respeitosamente,


MOVIMENTO ORLA LIVRE



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