Ninguém se iluda com a nova Sé.
O Centro Histórico está se acabando
Durante cinco anos os alunos da Faculdade de Engenharia Civil-FEC da UFPA fotografaram semestralmente os 1.700 imóveis registrados na Fumbel como pertencentes ao patrimônio arquitetônico histórico de Belém. O objetivo do trabalho daqueles alunos era o de monitorar visualmente as transformações por que passam o Centro Histórico de Belém e as áreas de seu entorno. Ao realizá-lo, eles, muitas vezes, ficaram desnorteados com o desaparecimento de casas e prédios que constavam nos registros da Fumbel. Além disto, quando comparavam os aspectos de algumas quadras por onde circulavam com as fotos feitas nos semestres anteriores, os alunos quase não as reconheciam.
A maioria dos imóveis do Centro Histórico, hoje, está atingida por seis “pragas”, como mostram aqueles milhares de fotografias:
1) abandono completo dos prédios por proprietários que apenas aguardam os desabamentos deles para poderem vender seus terrenos,
2) falta da manutenção destes prédios com conseqüentes: a) infiltrações em suas paredes, b) desenvolvimento da biodeteriorização em seus telhados onde surgem plantas e árvores c) manchas em suas pinturas;
3) descaracterização de suas fachadas com alargamento de vãos: a) nas lojas, para exposição de mercadorias, b) nas residências, para instalações de garagens;
4) pichações criminosas;
5) poluição visual que esconde as fachadas antigas através do acúmulo de faixas, outdoors e fiações elétricas, uma “praga” ultimamente agravada pelas caixas de medição de energia montadas nos postes pela Celpa, em contrariedade completa às recomendações técnicas de aterramento dos fios de energia nas áreas históricas das cidades a fim de que elas possam recuperar seu aspecto original.
6) falta de controle do tráfego de veículos pesados causador de vibrações e fissuras nas paredes.
7) instalações elétricas precárias – uma ameaça permanente de incêndio.
Nos últimos anos, três imóveis do Centro Histórico foram destruídos por incêndios, e, dois casarões desabaram: um na Travessa Leão XIII, outro na Ladeira da Memória.
Uma ocorrência comum: a bela aparência do prédio do antigo Colégio John Kennedy, na Avenida Serzedelo Correa, desapareceu depois que o imóvel recebeu o estilo arquitetônico padrão das unidades de uma rede de ensino particular.
Este quadro de agressões ao patrimônio arquitetônico de Belém se completa com o abandono por parte dos atuais governos municipal e estadual de algumas das obras de recuperação realizadas com muito dinheiro público pelos três governos sucessivos do PSDB no estado. Por exemplo, a fachada da igreja de Santo Alexandre e o interior da Igreja de São João apresentam manchas por falta de manutenção.
Do mesmo modo, as obras de revitalização das duas gestões do ex-prefeito Edmilson Rodrigues estão na iminência de se perderem. O Solar da Beira do Ver-o-Peso, inteiramente recuperado, apresenta-se atualmente em avançado grau de degradação. O demorado e dispendioso trabalho de reforma da própria feira do Ver-o-Peso encetado pelo ex-prefeito está prejudicado pela comercialização de peixe sobre caixotes diante do Mercado de Ferro, na Avenida Portugal, com absoluta falta de higiene. A rua João Alfredo cujos prédios tiveram suas fachadas recuperadas, depois de um difícil esforço de convencimento dos lojistas, foi desordenadamente ocupada por camelôs.
Nenhuma obra, porém, mostra de modo mais gritante a descontinuidade das gestões públicas que as do Palacete Pinho, abandonadas quando estavam quase concluídas.
Neste contexto, portanto, a recuperação da Sé parece uma obra pontual, sem inserção visível num projeto amplo e consistente de preservação do nosso patrimônio arquitetônico.
No entanto, por dois motivos principais, a população do Pará merece ver implantado no Centro Histórico um projeto desta grandeza. Primeiro, porque o Centro Histórico é o espaço onde se concentra o maior número de documentos arquitetônicos que revelam o longo e complexo processo de formação cultural do povo da Amazônia. Estes documentos têm força suficiente para mostrar a falsidade da imagem da região mostrada sempre como mero santuário ecológico pelos meios de comunicação mundiais. Se na Amazônia só há natureza, o destino da região deve ser decidido fora dela. Esta é a conclusão inevitável (e perigosa) da preponderância daquela imagem.
Segundo, porque os imóveis do Centro Histórico podem ajudar a desenvolver um dos setores mais promissores da economia regional - o do turismo cultural – com a geração de empregos de que tanto necessitam os paraenses.
(PUBLICADO NO DIÁRIO DO PARÁ DIA 5/9/09-
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