Há anos que o Plano Diretor já deveria ter sido atualizado, segundo o que prevê a legislação em vigor. Um dia, porém, reclamei para uma arquiteta esse fato, e me respondeu que essa data era “pro forma”...
Será? Sabe-se lá o que a motivou dizer isso, pois parece razoavelmente racional ter a expectativa de que as leis devam ser cumpridas, para o bem da sociedade.
Nota-se que muita gente em Belém, não gosta da existência de leis. Nem precisa se esforçar muito para constatar esse fato: elas, além de serem ignoradas, raramente são respeitadas e esse é um caso bem evidente.
Numa reunião
na OAB sobre o patrimônio histórico, reclamei das casas com fachadas coloridas
na Cidade Velha, autorizadas pelas
instituições públicas encarregadas do assunto. Uma outra arquiteta me
respondeu: não tem nenhuma lei que proíba isso...e eu respondi: mas as leis em
vigor falam de salvaguarda e proteção da nossa memória histórica, e só isso já
bastaria para evitar essas descaractetizações ... Ela, furiosa me responde: mas eu sou Master...
Sabe lá o que queria demonstrar com essa afirmação...mas já fica claro que não
entendia o sentido das palavras usadas na lei.
Ademais,
além das leis, sempre é bem-vindo o bom senso a guiar as decisões.
Em 2018 ou
2019, participei de uma reunião, sem ser convidada, na ex-sede da Alfândega,
com alguns arquitetos (menos de dez), dos quais a maioria eram mulheres. O
motivo era o PD. De repente, uma delas pediu para falar da Cidade Velha, e eu,
imediatamente, intervi e sugeri que talvez fosse melhor que eu falasse desse
argumento primeiro, pois além de ser moradora da área, era também presidente da
CIVVIVA, a associação de moradores declarada de Pública Utilidade, por defender
o patrimônio desse bairro...
Achei que me
deram a palavra com má vontade, mesmo se várias leis sugerem a ”a gestão
democrática por meio da participação da população na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano” (Estatuto da Cidade, lei federal 10.257/71,
art. 2 inciso II), ou o “estímulo à participação da comunidade através de suas
organizações representativas” (Lei Orgânica do Município 30.03.1990, art. 108,
inciso II)..., e assim por diante.
Nesse momento, porém, aproveitaram para me sugerir falar sobre os produtos que eram vendidos pelos “amigos comerciantes que tanto defendes”. Descobri então que, na verdade, esse era realmente um argumento desconhecido: praticamente ninguém sabia, que ali eram comercializados produtos necessários aos ribeirinhos, desde a areia para construção civil de casas, até equipamentos para uso nas atividades agrícolas. Era desconhecida a existência do comércio varejista de embarcações e outros veículos recreativos, além de peças e acessórios para motores de vários tipos, até para os po-po-pós, etc. naquela orla da cidade.
Levando em
consideração que o Plano Diretor deve definir como a cidade será organizada, e
como as pessoas e atividades serão distribuídas no território, nunca iria
imaginar que, quem se propõe a renovar esse Plano não conhecesse o que vendiam
os “meus amigos” comerciantes da Cidade Velha.
Me surpreendi também que dessa reunião não participava ninguém formado em Direito e, além de mim, não convidada, não tinha também qualquer outro representante da cidadania, ou de setores da economia local, apesar das leis em vigor sugerirem essas presenças. Logo em seguida chegou a Pandemia, e nunca mais ouvi falar do Plano Diretor.
O saudável debate com a cidadania poderia servir para preencher essa lacuna e aproximá-los da realidade específica dos bairros, algo muito necessário para uma boa programação. A pretensão de saber tudo e não precisar de ajuda, de debate, de confronto, já demonstra ... o total desconhecimento ou um conhecimento insuficiente, o que acaba impedindo a aplicação das normas em vigor numa democracia.
CADÊ AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS... que em caso de programação urbana, deveriam ser muitas.